Santo Agostinho (354-430) nasceu em Tagaste, Tunísia. Grande filósofo, moralista e apologista. Convertido ao catolicismo, foi ordenado sacerdote e, depois, bispo. Doutor da Igreja, deixou inúmeras publicações, dentre elas: Confissões – com inúmeras reedições.

Perguntei-o à terra e disse-me: “Eu não sou”. E tudo o que nela existe respondeu-me o mesmo. Interroguei o mar, os abismos, e os répteis animados e vivos e responderam-me: Não somos o teu Deus; busca-o acima de nós”. Perguntei aos ventos que sopram; e o ar, com seus habitantes, responderam-me: “Anaxímenes (Filósofo do séc. VI a.C) está enganado; eu não sou o teu Deus”. Interroguei o céu, o sol, a lua, as estrelas e disseram-me: “Nós também não somos o Deus que procuras”. Disse a todos os seres que me rodeiam as portas da carne: “Já que não sois meu Deus, falai-me de meu Deus, dizei-me alguma coisa d’Ele”. E exclamaram com alarido: “Foi Ele quem nos criou”. (Salmo 99,3).

A minha pergunta consistia em contemplá-las; a sua resposta era a sua beleza.

Dirigi-me, então, a mim mesmo, e perguntei-me: “E tu quem és? “Um homem, respondi. Servem-me um corpo e uma alma; o primeiro é exterior, a outra interior. Destas duas substâncias, a qual deveria eu perguntar quem é o meu Deus, que já tinha perguntado com o corpo, desde a terra ao céu, até onde pude enviar, como mensageiros, os raios dos meus olhos? À parte interior, que é a melhor. Na verdade, a ela que os mensageiros do corpo remetiam como a um presidente ou juiz as respostas do céu, da terra, e de todas as coisas que neles existem, que diziam: “Não somos Deus; mas foi Ele quem nos criou”. O homem interior conheceu esta verdade pelo ministério do homem exterior. Ora eu, homem interior – alma – eu conhecia-a também pelos sentidos do corpo. Perguntei pelo meu Deus à massa do Universo, e responderam-me: “Não sou eu; mas foi Ele que me criou”.

Mas, não se manifesta esta beleza a todos os que possuem sentidos perfeitos? Por que não fala a todos do mesmo modo? Os animais, pequenos ou grandes, veem a beleza mas não a podem interrogar. Não lhes foi dada a razão – juiz que julgam o que os sentidos lhe anunciam. Os homens, pelo contrário, podem interrogá-la, para verem as perfeições invisíveis de Deus, considerando-as nas obras criadas. Submetem-se todavia a estas pelo amor, e assim já não as podem julgar. Nem a todos que a interrogam respondem as criaturas, mas só aos que as julgam. Não mudam a voz, isto é, a beleza, se um a vê simplesmente, enquanto outro a vê e a interroga. Não aparecem a um de uma maneira e a outro de outra… Mas aparecendo a ambos do mesmo modo, para um é muda e para outro fala. Ou antes, fala a todos, mas somente a entendem aqueles que comparam a voz vinda de fora com a verdade interior.

Ora, a verdade diz-me: “O teu Deus não é o céu, nem a terra, nem corpo algum”. E a natureza deles exclama: “repara que a matéria é menor na parte que no todo”. Por isso, te digo, ó minha alma, que és superior ao corpo, porque vivificas a matéria do teu corpo, dando-lhe vida, o que nenhum corpo pode fazer a outro corpo. Além, disso, teu Deus é também para ti vida da tua vida.

Santo Agostinho, 16ª edição, Editora Vozes, 2020.

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Maria Christina Noronha Liberalesso
4 anos atrás

Li pouco do que escreveu Santo Agostinho porém o suficiente para deixar-me maravilhada. Cristina foi muito feliz na escolha do texto que postou pois é brilhante. O autor é esplêndido, um dos mais importantes filósofos e teólogos de sua época. Influenciou de forma marcante o cristianismo. O trecho de “Confissões” escolhido é lindo, mostra a sensibilidade do autor que sempre esteve buscando Deus. Deixa transparecer principalmente dois pontos marcantes da doutrina de Santo Agostinho: – Deus é o Supremo Criador que em um ato de bondade criou o tempo, o espaço e todo o universo. – Há supremacia da alma… Leia mais »

Anna Osta
4 anos atrás

Lindo o texto selecionado por você, Cristina! Santo Agostinho, importante teólogo e grande filósofo, inspira a todos nesse momento de incertezas. Obrigada.

Marilena Matiuzzi
4 anos atrás

Cristina, querida, sua sensibilidade, cuidado e amor a todos, estão impressas nessa escolha que fez.
Santo Agostinho de Hipona, o pecador que virou santo e se tornou um dos mais importantes filósofos da idade média e que ajudou a formar as bases da filosofia do cristianismo, que são pautadas no amor, na caridade e no perdão, não poderia ficar de fora desse projeto que tem como objetivo inspirar-nos.
Feliz e oportuna escolha.
Ah, essa busca de Deus, do amor, do sentido da vida, tão eternas em todos nós!
Obrigada!

Frankmar Corrêa
3 anos atrás

EXISTE UM SÓ DEUS . Existe um só Deus que é O Pai, O Filho e O Espírito Santo ( Deuteronómio 6:4;Mateus 28:19; João 1 :1;10:30; Atos 5:3-4) e seu nome é Javé (Hebraico : Yahweh) .Devemos amar a Deus com todo o coração (Mateus 22:37) e Devemos Adorar só o Deus único (Lucas 4:8). Porque Deus criou o universo e é o Supremo Senhor e Rei ( Génesis e 2;Mateus 11:25;Apocalipse 15:3-4) . Javé é o Deus Vivo e Eterno,O Todo-Poderoso que esta no céu (Jeremias 10:10;Génesis 21:33; 1:8; Mateus 6:9).Deus é Bom (Salmo 118:1) e Javé Deus é… Leia mais »