Pensou em mim?
(Black and White Cartoon Illustration of Cute)
Pensou em mim? Essa era a pergunta preferida que Lilica fazia ao seu namorado quando se encontravam. Ele respondia laconicamente: “Pensei”. Mas ela insistia:
– Pensou bastantinho ou bastantão?
Ele repetia a mesma resposta: “Pensei”.
Lilica, que na verdade chamava-se Eliana, era uma moça bonita, simpática, romântica, sonhadora, vivacidade estampada no semblante e dona de um sorriso encantador. Ela conquistava todos que a conheciam porque era também muito prestativa, sempre solicita daquele tipo “pau pra toda obra”. Com todos esses predicados e dons inatos, buscou um curso onde se identificasse com a profissão. Assim foi fazer Serviço Social.
Seu namorado era o Carlos Henrique, que Lilica chamava carinhosamente de Cacá. Ele era oposto de Lilica, metódico, reservado, detalhista e seu negócio eram as Ciências Exatas, calcular era com ele mesmo. Adorava matemática e física e seu desejo era ser um cientista físico, para trabalhar em projetos espaciais. E estava estudando muito pra isso.
Quem conhecia bem Lilica e Carlos Henrique ficava se perguntando:
– Como pode dar certo esse namoro?
Pois é, o amor tem dessas coisas: juntar opostos. Na realidade, os dois se davam muito bem, porque Lilica apimentava um pouco a vida dele e ele colocava um pouco de razão na vida dela, que era de muita, mas muita emoção!
Contudo, havia uma coisa que incomodava Carlos Henrique: quando Lilica o encontrava e vinha com aquela pergunta: “Pensou em mim?” E depois: bastantinho ou bastantão? Tinha vezes que ele perdia um pouco a paciência e respondia:
– Pensei, oras! Sei lá se foi bastante ou pouco, sei que pensei!
Lilica ficava toda chorosa e dizia:
– Poxa amor, não precisa falar assim, só queria saber se pensou em mim.
E assim viviam os dois, mas ninguém duvidava que fossem completamente apaixonados.
No terceiro aniversário de namoro deles, combinaram que iriam jantar num restaurante chique e depois, para fechar a noite com chave de ouro (nesse caso era para abrir a noite), um luxuoso motel. Afinal mereciam. E assim aconteceu.
O jantar foi maravilhoso, com direito a um concerto exclusivo de violino, champagne francesa, flores e tudo mais. Saíram e foram para o Motel que, inclusive, já haviam reservado. Estavam felicíssimos ao entrarem na suíte especial. Realmente a suíte era luxuosa, tudo de bom. Ligaram o som, música romântica, começaram a dançar apaixonadamente, rosto colado, corpo igualmente, foi aí que Lilica toda amorosa fez a famosa pergunta:
– Amor você pensou em mim hoje?
Carlos Henrique parou de dançar, olhou longamente para sua amada e delicadamente pediu pra ela sentar na cama, e falou:
– Ah! Minha querida vou lhe explicar direitinho o quanto penso em você. Li, o dia tem 24 horas e eu penso em você uma vez cada hora, portanto são 24 pensamentos. Você está acompanhando o raciocínio? Então, cada vez que penso em você fico pensando por uns 10 minutos, logo num dia penso em você 14.400 segundos, ou seja, 240 minutos que, transformados em hora, teremos 4 horas. Isto significa minha querida, que num universo de 24 horas, penso em você 16% do dia. Entendeu?
Lilica balançou a cabeça dizendo que sim, estava estupefata com a exposição de Carlos Henrique. E ele ainda emendou:
– ‘Tá vendo como penso em você pra caramba?!
Saindo do semitranse, Lilica falou exultante:
– Poxa amor! Você foi fundo! Mas gostei viu, agora sei o quanto você pensa em mim!
Abraçaram-se carinhosamente e o amor, desejo, paixão, tesão, fluíram e beijos cada vez mais ardentes foram se sucedendo e os corpos se entrelaçando. Até que Carlos Henrique, todo apaixonado, sussurrou no ouvido da amada:
– Li, o quanto você me ama? Ela respondeu de imediato:
– Meu amor, amo você mais que a distância da terra à lua, só que elevada ao cubo.
Carlos Henrique deu um longo suspiro e voltaram a se beijar novamente. Os dois já estavam chegando ao ápice, no êxtase total, no momento supremo, ela gemia de prazer e ele soltava uns “ahh!”, “ééé”, “hummm”. Lilica notou que o desempenho de Cacá estava diferente; explica-se, diferente para melhor, muito melhor, seu amado estava simplesmente levando-a as nuvens como nunca houvera feito antes, não que as anteriores tivessem sido ruins, mas essa estava acima da expectativa. Como diria um personagem de novela: estava “felomenal”. Até que ela numa entrega total gritou:
– Agoooora, agoraaaa, agora amor… E ele respondeu: Simmm! Ahhhh! E com a voz embargada de paixão disse:
– Amor, a distância é de 56 quatrilhões, 800 trilhões, 235 milhões de quilômetros entre a terra e a lua, elevada ao cubo. Agora sei o quanto você me ama. E a beijou ternamente.
Lilica depois de se recuperar totalmente disse toda apaixonada:
– Nossa, amor foi demais! O que você falou sobre quatrilhões, trilhões…?
– Ah querida! Cheguei ao resultado da questão que você me falou sobre a distância entre a terra e a lua só que elevado ao cubo, e disse que agora sei o quanto você me ama.
– Amor, você já sabia esse resultado?
– Não sabia. Calculei enquanto a gente fazia amor gostoso…
Depois daquele dia os amigos de Lilica estranharam o fato dela sempre estar lendo livros de física, matemática, e quando lhe perguntavam, respondia:
– Nunca se sabe quando iremos precisar de uns exercícios… As ciências exatas auxiliam em tudo, em tudo mesmo, pode crer!
E saía com aquele brilho no olhar.
FIM
ANDRADE JORGE
Do livro “Contos En…cantos&Peripécias” Editora Oficina Editores/Rio de Janeiro –