Cinco e vinte da manhã e o dia 25 de dezembro ainda não mostrou a sua face. Só os gatos, em seu milenar exercício de liberdade, desenham saltos pelos muros, correrias e andares lentos. São pretos, pardos, brancos ou rajados… Olhos de prata na madrugada, têm para si a magia do luar, o frescor do sereno e a certeza de encontrar suas amantes… Perambulo sozinha a dirigir meu carro pela cidade que dorme. A cabeça cheia de pensamentos: a solidão a que estamos todos condenados, acompanhados ou não, o ilusório valor das coisas e a finitude da vida.

Ruas vazias, semáforos bobos e um ou outro bêbado remanescente. Desço lentamente a Nove de Julho só pra mim. As luzes coloridas da decoração e os pisca-piscas das árvores de Natal me transportam para uma madrugada de 1970.

As crianças dormiam com sonhos de Papai Noel… Eu, ansiosa já aos 7 anos, acordo bem cedo, carinha de sono e, ao abrir os olhos, me lembro: ele já deve ter chegado! São cinco e vinte da madrugada, mas salto da cama e corro para olhar debaixo dela. Estão lá! Ele veio e deixou os presentes!

Acordo as irmãs menores: Papai Noel chegou! Venham ver os brinquedos! E a folia começa… O bondoso personagem de nossa fantasia infantil havia trazido um brinquedo para cada uma, além de um lindo embrulho em celofane com balas, chocolates e doces divertidos. Papai e mamãe acordam e explicam amorosamente que nosso grande herói havia se demorado, pois eram muitas crianças. Viera de madrugada… Duas taças de vinho deixadas propositadamente sobre a mesa de centro da sala comprovam: “ele tomou um vinho com o papai e logo se foi”, a prosseguir sua tarefa de felicidade. Naquele dia o mundo era só nós e a herança de Papai Noel.

Nossas almas incipientes ainda não conheciam medo nem preocupações, mas uma gratidão imensa pelo homem de barbas brancas que conseguia saber tudo o que desejávamos e fazia brilharem nossos olhinhos no dia 25 de dezembro.

Os verdadeiros heróis, com o passar dos anos, foram descobertos. Não sem uma nostalgia de que éramos felizes e sabíamos, sim. O tempo trouxe a consciência de que nosso papai e nossa mamãe… Eram Noel! Agora é chegada a hora de lhes colocarmos presentes debaixo da cama.

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