Museu da Música e os guardiões da história
“Em Itu, tem”. A frase, dita com despeito ou esperança por moradores de outras cidades da região, vai muito além de uma peça de vestuário ou artigo específico procurado. Passa pela música, religião, tradições culturais e modernidade, além da exuberante natureza e dos registros arqueológicos existentes.
Ouro Preto Paulista, Roma Brasileira ou Cidade dos Exageros, como a alcunhou o humorista Francisco Flaviano de Almeida, o Simplício, na década de 1960, Itu, em São Paulo, é tecida de fragmentos da história do País – da colônia à república. Fazendas de cana-de-açúcar e café, escravidão, imigração, ferrovia, industrialização e imponentes construções convivem com prédios modernos e condomínios luxuosos.
A cidade realiza alguns dos mais tradicionais eventos populares e religiosos do interior paulista, como a Festa do Divino, a Semana Santa e a procissão de Santa Rita, entre outros.
Não é por acaso que esse patrimônio permanece vivo no século 21. Muita gente trabalha para esse resultado. Desde o registro primoroso da história do cotidiano, feito pela revista Campo&Cidade, à bandeira santa que visita as casas – cuidadosamente conservada por devotos alferes, passando pelas marchinhas tocadas pelas bandas centenárias, pelos doces das antigas sinhás, à venda no comércio local e pelos museus, com suas programações dinâmicas.
Criado em dezembro de 2007, o Museu da Música – mantido pelo Instituto Cultural de Itu – detém o mérito de trazer para o presente, muito mais do que as composições perdidas ou inéditas de antigos ituanos. Muitas delas, integrantes dos ofícios religiosos realizados nos séculos 18, 19 e início do 20, como as obras do padre Jesuíno do Monte Carmelo, dos maestros Elias Álvares Lobo e Tristão Mariano da Costa.
A competência e a dedicação de Luís Roberto de Francisco – historiador, maestro e musicólogo – levaram ao resgate e valorização da música erudita e sacra ituana, juntamente com o voluntariado dos associados do Instituto Cultural de Itu, a curadora, Maria de Lourdes Sioli e o investimento dos parceiros.
Durante a Semana Santa, o “Ofício de Trevas”, recuperado em 2003 e cuja transcrição coube aos músicos Vinícius Gavioli e Luís Roberto de Francisco –, é realizado na Matriz de Nossa Senhora do Carmo.
Na igreja parcialmente escurecida e durante uma hora e meia, os fiéis recitam salmos, antífonas, leituras e responsórios em latim, à luz de velas e incenso, da quinta-feira santa, lembrando a oração no Monte das Oliveiras, a prisão de Jesus e a traição de Judas, acompanhados por cantochão e canto gregoriano.
No altar, as imagens dos santos e o crucifixo são recobertos com um tecido preto. Catorze, das quinze velas dispostas num grande candelabro – que representam os apóstolos e as Marias que acompanharam a procissão – são apagadas ao longo da cerimônia. A 15ª permanece acesa, representando Jesus e a ressurreição.
Outras composições, conhecidas ou inéditas, foram ou estão em processo de recuperação, para serem apresentadas publicamente ou serem integradas aos seus ritos originais.
O Museu da Música também é responsável pela Eschola Cantorum. Conta com um importante acervo de fotos, gravações, documentos históricos e objetos que revelam a história de quatro séculos de atividade musical, promove concertos, conferências, ações educativas junto aos alunos das escolas, além da publicação de livros e cadernos sobre o acervo da música ituana.
O trabalho de tantos traz ao olhar contemporâneo dos moradores e turistas, a possibilidade de contemplar, por uma fresta do tempo, as relações da comunidade com a sua própria cultura.