Meu amigo advogado
– Aqui é o doutor Gabriel. Se não devolver o dinheiro do meu cliente, vamos processar a sua escola.
– Não, por favor doutor, não há necessidade disso. Diga ao seu cliente para passar aqui hoje à tarde e resolvemos.
E assim Gabriel Lima dos Santos, um advogado, que, apesar de jovem, andava com o Código de Processo Penal e o Código Civil debaixo do braço e se apresentava como o melhor advogado que você conhece, resolveu o impasse criado pela escola onde o amigo Manoel Pereira, comerciante de botas, matriculara o filho e depois desistira.
Manoel apenas comentara em um encontro com o advogado que a escola se recusava a devolver a matrícula.
– Já falei diversas vezes com eles, mas não querem devolver. Disseram que tenho de pagar pela desistência.
Gabriel procurou no Código e disse que não era assim.
– Deixa comigo que resolvo.
Em outra ocasião, o jovem advogado ameaçou uma loja de processo se não devolvesse o dinheiro pago por outro amigo, que devolvera a compra por achá-la inadequada.
A ameaça foi no mesmo tom e a solução rápida igual.
Dias depois aconteceu com mais um amigo do grupo, este supostamente prejudicado por uma seguradora.
O jovem advogado montava um personagem.
Incorporava alguém mais velho, com a voz mais adensada e usava de argumentos diretos. Não discutia muito. Apresentava a demanda, fazia a ameaça e esperava a rendição, que acontecia inapelavelmente.
Todos cediam, recuavam e se arrependiam.
Os amigos festejam a atuação do jovem advogado.
Quem nunca teve vontade de processar todo mundo que lhe cria algum problema e quem nunca ficou com medo de ser processado e ficar com o nome sujo?
Rapidamente, Gabriel Lima dos Santos ganhou fama entre os amigos que jogavam futebol com ele desde pivete.
Passou a ser chamado para causas cada vez mais estranhas: o roubo de duas galinhas por um vizinho rendeu um galinheiro novo ao amigo, o posto de gasolina deu dez trocas de óleo grátis a outro amigo e até um gato sequestrado e que acabou com uma madame, que gostou dos seus olhos claros, gerou pagamento de donativos para o gatil municipal, onde se sofria muito com a falta de verba.
O que funcionava sempre eram as ligações.
O jovem advogado interpretava muito bem o personagem que assumia. Quem atendia do outro lado imaginava um advogado corpulento, que poderia esganar o adversário se não vencesse pelos argumentos. Mas ele também era bom na citação das leis, códigos e portarias.
Ninguém conhece os detalhes da legislação.
Ainda mais no Brasil, onde se faz 40 novas normas a cada dia: não se sabia como Gabriel decorava e recitava tudo.
Um dia, o goleador do time, Jesualdo, um vendedor das Casas Bahia, se meteu em um acidente de trânsito.
Bateu na traseira de um carro ao virar uma esquina.
O dono do carro atingido era calmo e não causaria problemas nunca, mas a mulher dele brigava pelos dois.
– Se bateu atrás, a culpa é sua. Vai ter de pagar. Vai ter de pagar, porque nós vivemos do nosso carro, entendeu?
O casal vendia roupas de porta em porta e usava o carro para levar as bolsas enormes com amostras.
Jesualdo não admitia que estava errado.
Sempre contava vantagens de como dirigia bem.
Assumir a culpa acabaria com a sua reputação.
– Eu virei a esquina e fui surpreendido com o carro deles parado no meio da rua. Não deu tempo de nada. Você pode me salvar dessa Gabriel? Me ajuda.
O jovem advogado não se abalou com o fato de o cliente ter batido atrás do outro veículo.
– Vamos resolver.
Baseava-se em outro caso que vencera sobre uma ultrapassagem de oito carros ao mesmo tempo.
O motorista fora flagrado pelo radar acima da velocidade.
Gabriel colocou na defesa que ele estava na frente de uma carreta e que corria acima da velocidade para não ser atropelado e porque havia oito carros para superar.
Os julgadores aceitaram a desculpa.
– O meu cliente foi surpreendido por vocês. Não poderiam parar no meio da pista desse jeito.
– O senhor está enganado. Ele estava muito próximo e por isso bateu. Se estivesse na distância correta, não acontecia.
A mulher do dono do carro atingido por Jesualdo era implacável. Para se livrar desse obstáculo, ele pediu para falar com o marido dela. Ela não deixou.
– Não, o senhor pode falar comigo mesma. Eu sou a mulher dele e sei de tudo. Ele não é bom para discutir.
Justamente por isso ele queria falar com o marido e chegou a sussurrar esse desejo, mas ela ouviu.
– Não adianta: vai ter de falar comigo.
– Obrigado então dona Mônica, eu ligo depois.
Desligou em seguida.
Era uma tentativa de escapar dela.
Jesualdo estava certo de que venceria.
Falava para todo mundo que o seu advogado era o melhor e que tinha os melhores argumentos.
No outro dia, Gabriel pediu para a irmã ligar e dizer que era da seguradora. Quando o marido assumiu o telefone, ele pegou a ligação do outro lado.
– Amarildo, eu tenho uma proposta para você.
Não deu tempo nem de começar a falar, a mulher pegou o telefone e esculachou com ele.
Parecia que dessa vez não ia dar.
Jesualdo desanimou.
– Vamos fazer um acordo Gabriel.
– Não, eu descobri que o carro dele está irregular. Dessa vez, não vou ficar por telefone. Vou pessoalmente.
– Tem certeza?
– Sim.
O jovem advogado foi à casa do casal e sentenciou:
– Se vocês não fizerem um acordo e pagarem as despesas do meu cliente, eu vou processar vocês.
– Ah vai?, perguntou a mulher enfezada do Amarildo.
– Vou sim. Vocês pararam no meio da pista. Ele não teve tempo de frear. Vocês são culpados.
– Pai, é esse o advogado que eu te falei, disse a mulher após um homem grisalho, muito bem vestido, entrar.
– Doutor?, perguntou ele.
– Doutor Gabriel Lima dos Santos, o seu melhor advogado.
O homem riu.
– Como o melhor advogado de alguém pode propor a um motorista, atingido na traseira, que ele pague os prejuízos?
– O meu cliente foi surpreendido…
– Foi sim, mas por causa da imprudência dele, que estava mais próximo do que deveria e por isso não freou.
– Olha, eu não vou discutir. Vou processar a sua filha e o seu genro. Eles estão errados. Qualquer juiz vai reconhecer.
– Será? Eu não reconheço.
– Não importa se o senhor não reconhece.
– O senhor sabe quem eu sou?
– Não me interessa, eu só vim aqui para tentar um acordo.
– Eu sou o juiz da comarca.
Quem poderia imaginar que aquela mulher fosse filha de um juiz e pior que isto: do único juiz da comarca.
E foi assim que o jovem advogado perdeu a primeira.