(…) Nasci no ano de… (três estrelinhas), na cidade de… (três estrelinhas) filha de gente desarranjada… Quando o Visconde de Sabugosa, escriba compulsório das memórias da boneca lhe pergunta:

– Por que tanta estrelinha? Será que quer ocultar a idade?

Emília responde sem titubear, e como sempre, sem papas na língua:

– Não. Isso é apenas para atrapalhar os futuros historiadores, gente muito mexeriqueira (…)

– (…) nasci de uma saia velha de Tia Nastácia. E nasci vazia. (…) Nasci, fui enchida de macela (…) e fiquei no mundo feito uma boba, de olhos parados como qualquer boneca. Feia. Dizem que fui feia que nem uma bruxa. Meus olhos Tia Nastácia os fez de linha preta. (…)

– Fiquei falante com uma pílula que o célebre Doutor Caramujo me deu.

Veio a boneca. O Doutor escolheu uma pílula falante e pôs-lhe na boca.

– Engula de uma vez! Disse Narizinho ensinando à Emília como se engole pílula. E não faça tanta careta que arrebenta o outro olho.

Emília engoliu a pílula muito bem engolida, e começou a falar no mesmo instante. A primeira coisa que disse foi: Estou com um horrível gosto de sapo na boca. E falou, falou, falou mais de uma hora sem parar.

Falou tanto que Narizinho, atordoada, disse ao doutor que era melhor fazê-la vomitar aquela pílula e engolir outra mais fraca.

– Não é preciso — explicou o grande médico. Ela que fale até cansar. Depois de algumas horas de falação, sossega e fica como toda gente. Isso é fala recolhida, que tem de ser botada para fora.

E assim foi. Emília falou três horas sem tomar fôlego. Por fim calou-se. (…)

Monteiro Lobato

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