Memória e reminiscência
Texto publicado na edição de 04/12/2020
Jornal Primeira Feira
Coluna “um dedinho de prosa”
***
“O homem não possui, como os outros animais, apenas memória, que consiste na lembrança imprevista do passado, mas também a reminiscência, que é quase fazer silogismos buscando a lembrança do passado.”
Há alguns dias, enquanto chovia aqui em Cabreúva, minha memória trouxe a frase de São Tomás de Aquino, transcrita no primeiro parágrafo, à tona. Aliás, memória é assunto que gosto muito de lidar, teorizar e desenvolver textos com base nelas. O historiador está sempre de olho nas memórias, como já escrevi aqui em outras ocasiões, que podem ser construídas de acordo com o olhar de quem está exercitando ou expressando aquilo que está guardado em sua mente.
Mas, afinal, qual a ligação entre a chuva e a frase de São Tomás de Aquino? Explico:
Fazia tempo que não via uma chuva forte como foi na semana passada, os cones da rua chegaram até a ser arrastados pela força da água, vez ou outra a energia caia e ficávamos no escuro. Matias e Guillermo, com seus dez meses de vida, ficaram impressionados olhando pela janela aquela quantidade de água que descia do céu e, para matar um pouco a curiosidade, saímos na garagem com os dois para que observassem a chuva. Eu, desde criança, adoro sentar e observar a chuva que cai.
Pois bem, naquele momento minha memória me direcionou para vários anos antes, quando eu era criança (não me recordo a idade ao certo) e, em uma das tardes na casa da vó Dilva, chovia muito. Um corredor que não era coberto por telhado ligava a parte da frente ao fundo da casa e, justamente no fundo estava algo que eu precisava pegar. Atravessei correndo por causa da chuva e, meu primo, irmão de coração, que é três anos mais novo que eu, observou aquilo tudo. Logo ele atravessou correndo também o corredor, o motivo? Achou divertido!
O que era uma necessidade no momento tornou-se uma competição de quem atravessa o corredor na chuva em menos tempo, depois se tornou uma competição de quem ficava mais molhado e, no fim das contas, ficamos ali, tomando chuva, brincando de “lutinha”, cantando, escorregando pelo piso enquanto a chuva caia. Junto dessa memória, veio outro sentimento que em muitos casos está atrelado, a saudade.
Guillermo e Matias riam, projetavam o corpo para frente querendo se desprender do colo e correr na chuva. Quando esse dia chegar, papai e mamãe estarão no desafio para ver quem atravessa mais rápido o corredor da bisavó.
Um bom fim de semana a todos!