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Informações gerais
Patrono: Vinícius de Moraes
Biografia
Bibliografia
Discurso de posse
Faço aniversário daqui a nove dias. Aproveito esta cerimônia não só para agradecer por uma vida que foi se constituindo entre os livros e a literatura, como também para agradecer a todos aqueles que participaram dessa história de amor às palavras. Com isso, também quero demonstrar toda a responsabilidade e a alegria de assumir uma cadeira cujo patrono é o poeta Vinícius de Moraes.
Digo que minha vida foi se constituindo entre os livros, porque, desde o momento em que aprendi a ler, eles nunca mais saíram de perto de mim. Que sorte ter pais que, embora não sejam grandes leitores, sempre entenderam que estar com os livros era uma forma de oferecer a mim um mundo diferente e me permitir criar o meu mundo. Que importância tiveram meus professores alfabetizadores e da escola básica, que possibilitavam momentos de leitura por prazer, não só para cobrarem nas provas.
Para além dos livros de ingresso ao mundo da leitura, dos quais destaco a Coleção Vagalume, lembro-me do primeiro grande clássico da literatura que li. Foi “Menino de Engenho”, de José Lins do Rego. Era uma edição velha, que estava até sem capa, encontrada um dia na casa do meu avó. Nunca soube ao certo de quem tinha sido aquele livro. Só me lembro que o consumi de forma voraz. A obra, que conta a história do menino Carlos, produziu em mim uma das sensações mais potencializadoras de sentido que uma obra literária carrega: a identificação.
A história de Carlos era bem diferente da minha e estava temporalmente distante pelo menos umas cinco décadas, mas identifiquei-me à época com o menino que morava no campo e que, à certa altura da história, ia para a cidade para estudar. Eu fiz esse caminho muitas vezes, guiado pelo cheiro dos livros, pelo gosto das palavras, pela visão de futuro, que, já naquela época, prenunciava que, um dia, eu também escreveria os meus livros.
Para que server a literatura? Essa é uma pergunta sobre a qual, a essa altura da história que estou contando e diante do acontecimento desta cerimônia, faço questão de refletir. Já disseram que ela não serve para nada. Mas, se assim fosse, por que ela seria objeto de tanta perseguição e de tanto medo toda vez que uma obra propõe a alguém uma nova forma de ver o mundo, um tema que desvia o leitor de seu lugar de conforto?
Considero que a literatura tem três funções principais. A primeira é a função da descoberta. A mesma que eu vivenciei quando entrei pela primeira vez em uma biblioteca e fui levado à sessão de livros infantis. Lembro-me de ter escolhido uma obra como me foi pedido, mas eu me questionava o que seria preciso para passar às outras estantes. Os livros grandes, com centenas de páginas, eram um desafio, um sonho, talvez a possibilidade de me colocar em uma competição com os demais colegas de escola... Reconheço.
Mas a descoberta e a competição não estão relacionadas apenas e, respectivamente, às histórias e à quantidade de leituras que uma pessoa faz. Muito além disso, a relação se estabelece com o que se pode definir como uma de minhas palavras prediletas: o sentido.
Sentido é palavra bonita, que define o que emerge de cada linha escrita ou lida. E, depois da descoberta, essa é a segunda função da literatura: povoar o mundo de sentidos, que atribuímos a nós, às nossas obras e às obras do outro. No encontro – fortuito, providencial ou programado entre um autor e um escritor – o que temos é uma explosão de sentidos, que vão sendo atribuídos e, ao mesmo tempo, dão a nós a direção. Por isso, sentimos o que lemos. Por isso, sentimos quando terminamos aquele livro de cuja história tanto gostamos. “Leia mais devagar para que essa alegria não acabe em tão pouco tempo...”. Foi um sentimento que muitas vezes experimentei.
E, porque a literatura tem também essa função de dar sentido, lembro-me de um trecho de um grande nome da literatura mundial: William Faulkner. Ele compara a literatura com acender um fósforo numa noite escura. É quase nada, pode passar rápido, iluminar muito pouco, mas ajuda a pensar e, portanto, significar quanta escuridão há em nossa volta.
E, por fim, depois das descobertas do mundo e dos sentidos que atribuímos às coisas, a terceira função que atribuo à literatura está na imortalidade. Cerimônias como essas, associações culturais como a Asle e o simbolismo de cadeiras representadas por grandes nomes, como Vinícius de Moraes, demonstram que um dos papéis da literatura é imortalizar nossas palavras, registrá-las de modo que percam a efemeridade de um dizer corriqueiro. Foi por essa função da literatura que tantas obras chegaram até nós e, também por ela, como um paradoxo, que não conseguimos conhecer tantas outras, que não foram publicadas e, por isso, ficaram destinadas à mortalidade.
Para falar sobre isso, cito um poema do próprio Vinícius de Moraes, cujo nome é simplesmente “O poeta”:
Olhos que recolhem
Só tristeza e adeus
Para que outros olhem
Com amor os seus.
(...)
Palavras que dizem
Sempre um juramento
Para que precisem
Dele, eternamente.
Obrigado, Vinícius! Obrigado à literatura por ser descoberta, sentido e imortalidade!
E, para que fique também imortal, deixo aqui um profundo agradecimento aos acadêmicos da Asle, especialmente ao Antônio Valini e à presidente Marilena Matiuzzi. Agradeço àqueles que fazem parte da minha vida, fazendo-me descobrir o mundo e dar sentido a ele, como meus amigos e família, como Marie e Duílio, que estão aqui como representantes dessa biografia. E, por fim, entendo esse momento como mais um chamado a continuar contribuindo pela causa da literatura! Muito obrigado!