Ettore Liberalesso, o historiador que fez história em Salto
Se estivesse vivo, o escritor e historiador Ettore Liberalesso faria 96 anos na quinta-feira, 31 de março. Infelizmente, a cidade perdeu essa figura ilustre precocemente em 31 de julho de 2012. Mas a marca deste filho de Salto deve ser lembrada por todos aqueles que amam esta cidade para sempre. Talvez ninguém tenha se dedicado tanto a cultuar tudo o que compõe a vida do município como ele. Se hoje os estudantes, os moradores locais e os turistas que visitam esta terra têm ideia do que ela foi um dia, isto se deve fundamentalmente ao trabalho que ele desenvolveu. É claro que há outros que já fizeram obras no mesmo sentido, mas ninguém foi tão profundo como ele.
Ettore sempre foi uma pessoa atuante em todos os lugares por onde passou. Desde clubes, comunidades religiosas e comissões até sociedades locais. Quem nunca se deparou com um trabalho dele na Sociedade São Vicente de Paulo, no Círculo Católico, na Sociedade Instrutiva e Recreativa Ideal, na Associação Atlética Saltense, na Assistência Vicentina Frederico Ozanam, nas comissões de construção da Igreja de São Benedito, na Festa da Padroeira e no conselho administrativo da Paróquia de Nossa Senhora do Monte Serrat? Ele deixou a sua marca em cada uma dessas entidades, porque levou para dentro delas conhecimento, dinamismo e vontade de fazer.
Comissão de Nomenclatura
Um dos trabalhos dele mais marcantes para a vida do município e que muita gente que vive aqui nem sabe é a participação na Comissão de Nomenclatura de Ruas. De 1979 até perto de falecer, Ettore foi membro dessa comissão, que ajudou a idealizar e da qual tornou-se presidente em 1990. A ideia surgiu do problema que havia com a nominação das vias de novos loteamentos. Muitos vereadores se arvoravam no direito de dar nomes de familiares para as ruas, como se eles fossem importantes apenas por serem parentes de um político. Afora absurdos, como a denominação de todos os jogadores da Copa de 70 a um bairro, inclusive dos reservas, massagistas e agregados.
Com a Comissão de Nomenclatura, muitas ruas, avenidas e praças passaram a ter nomes coerentes com a história ou então com a região. Deixou-se de se misturar alhos com bugalhos. É por isso que hoje há um Jardim da Cidade, por exemplo, com nomes de cidades realmente e não existem mais ruas com nomes iguais e nem ruas que não signifiquem diretamente alguma coisa para a cidade na sua maioria. A comissão não resolveu todos os problemas, mas amenizou grande parte e resolveu muitos. A pesquisa para abastecer as necessidades que surgem a cada novo loteamento rendeu dois livros de Ettore sobre ruas e suas histórias, que tem servido para a pesquisa estudantil.
Produção literária e museu
Ao longo da sua vida literária, Ettore lançou: “Salto – história, vida e tradição”, 1ª e 2ª edições, que reúne toda a história do município, baseada em documentos, testemunhos e fotografias; “Salto – história de suas ruas e praças”, o primeiro volume surgido da pesquisa para a Comissão de Nomenclatura de Ruas; “Famílias de Salto”, 1ª e 2ª edições, histórico único das famílias mais tradicionais da cidade; “As mais de mil ruas de Salto”, o segundo livro gerado a partir da Comissão de Nomenclatura; “Salto – sua história, sua gente”, ainda sobre a cidade; e a sua autobiografia “Ettore – autobiografia mesclada à história”.
O envolvimento de Ettore com a implantação do Museu da Cidade de Salto, hoje justamente denominado com o seu nome, foi outra ação decisiva da sua carreira. Como consultor da equipe de implantação, no início da década de 1990, ele não mediu esforços para ver a concretização do projeto. Sua contribuição não se limitou à orientação histórica. Ele teve uma participação decisiva como intermediário entre o museu e os doadores das peças mais significativas que estão expostas hoje. Por isso, não é exagero dizer que o Museu de Salto é a própria materialização da paixão que Ettore nutriu por Salto e por sua história.
Ao longo da maior parte da sua vida, Ettore coletou, catalogou e desenvolveu fragmentos do passado local, transformando tudo isso em material acessível e interessante para as futuras gerações. Seus trabalhos em livros dão a possibilidade de compreensão de uma Salto que não mais existe. Uma compreensão que é indispensável para se entender e valorizar o município no tempo em que vivemos. Um resgate de personagens, tipos e circunstâncias que vão marcar para sempre a história de muita gente envolvida com esse passado ou apenas curiosa dele. Material que ele desfilou com enorme maestria durante 18 anos na sua coluna “Arquivo” no jornal “Taperá”.
Um faz tudo literalmente
Mas Ettore também deu a sua contribuição em outras áreas da sociedade. Entre 1933 e 1934, ele trabalhou para um senhor cego, chamado Jorge de Souza. Sua atividade: lia jornais por 4 horas diárias. Depois desse trabalho, Ettore ingressou na Têxtil Assad Abdala, atual York. Em seguida transferiu-se para a Brasital, onde permaneceu até 1966, quando se aposentou. Nesse período de mais de 32 anos, foi pesador resíduos da fiação, contínuo de escritório, responsável pelo setor de compras, trabalhou no escritório de pessoal, no departamento de contabilidade administrativa, foi correntista, datilógrafo, arquivista e correspondente. Um senhor faz tudo literalmente.
Depois da vida na indústria, de 1967 a 1971, Ettore dirigiu a Auto Salto Administradora de Veículos e entre 1973 e 1988 foi corretor de imóveis. Foi também vereador da Câmara de Salto pela União Democrática Nacional, entre 1952 e 1959, atividade que desenvolveu em paralelo ao trabalho na Brasital e para qual não tinha salário como hoje têm os vereadores. Foi ainda em paralelo a todos os outros trabalhos que atuou como colaborador do jornal “O Trabalhador”, já extinto, do qual foi um dos fundadores e onde comecei no jornalismo ao lado dele e de dona Virgínia Soares Liberalesso, sua esposa e também integrante da Academia Saltense de Letras, cadeira 25, patrono Mário de Andrade.
A Academia de Letras
Igualmente ao jornal, Ettore foi um dos fundadores da academia em 2008, surgida da iniciativa da Secretaria da Cultura da Prefeitura de Salto, da iniciativa dele e de outros 15 escritores locais, também fundadores. Por sua dedicação ao projeto de criar uma entidade para organizar e manter coeso o segmento cultural da literatura, Ettore foi eleito o primeiro presidente da ASLe, como a academia é carinhosamente chamada, e foi patrono da própria cadeira pelos serviços prestados à cidade. Por tudo o que fez por Salto com dedicação, inteligência e profissionalismo, Ettore merece aplausos sempre de todos. Parabéns senhor Ettore Liberalesso.