Escritora dribla dificuldades físicas para se manter ativa e produtiva aos 83 anos
Titular da Cadeira da 20 da Academia Saltense de Letras, Cristina Maria Salvador descobriu um método para combater a falta de concentração, sequela da Covid-19 e da dengue, e conseguir voltar a ler normalmente outra vez
Quem conheceu a escritora, professora e liderança comunitária Cristina Maria Salvador quando ela chegou em Salto, depois de 43 anos em São Paulo, não a reconhece hoje. A mulher ativa, envolvida com a Academia Saltense de Letras, com a Igreja Católica, onde é Ministra Extraordinária da Eucaristia; com o Instituto de Estudos do Tietê, com Associação Emília Romagna e com a Associação Giuseppe Verdi, deu lugar a alguém que precisa de mais cuidados. Essa situação é fruto de sequelas da Covid-19 e da dengue e de duas quedas em casa, quando fraturou a coluna lombar e a parte baixa da bacia.
Mas quem pensa que Cristina, como é mais conhecida, titular da Cadeira 20 da Academia Saltense de Letras, cujo patrono é Archimedes Lammoglia, entrega os pontos, engana-se completamente. Ao contrário, ela chega aos 83 anos na sexta-feira (4 de outubro) driblando as dificuldades. Por exemplo, passou a ter uma perda considerável da concentração e deixou de ler, uma das suas paixões. Isto a entristeceu muito, mas uma amiga sugeriu que lesse livros que já tivesse lido e que conhecesse bem. “Achei sem sentido no começo, mas depois vi que me ajudava, porque eu lembrava da história e a minha concentração foi voltando devagar”.
E foi assim que a escritora retomou a leitura de “Comer, Rezar, Amar”, de Elizabeth Gilbert, cujo filme inspirado no livro ela já havia visto e gostado muito, assim como o livro. Esse primeiro passo abriu caminho para novas descobertas. Depois do trabalho de Gilbert, Cristina Salvador leu “A Biblioteca de Paris”, que despertou nela novamente a curiosidade literária. “Ler me faz falta e eu fui voltando a ter esse prazer, ainda que não seja fácil”, conta. Depois desse livro, nos últimos meses, a escritora começou a sentir vontade de ler algo novo, que não tivesse lido ainda como acontecia antes.
Por isso, atualmente, Cristina Salvador está imersa na leitura de um livro que está adorando da jornalista Sônia Bridi, da TV Globo, que ainda não tinha lido. O texto relata a experiência de dois anos da jornalista ao morar na China, um país que despertou nela reflexões profundas sobre cultura, política e a vida sob um regime comunista. “Esse livro mexeu muito comigo. Uma coisa é você ouvir falar sobre a China, outra é ler sobre alguém que viveu lá e enfrentou as dificuldades burocráticas e culturais. Eu fico pensando aqui comigo como deve ser difícil demais morar em um país comunista”.
Apesar das limitações físicas que a mantêm dependente de uma cadeira de rodas ou andador e sob os cuidados da auxiliar Margarida, que a ajuda a fazer quase tudo na chácara onde está morando desde a morte da irmã por Covid, Cristina Salvador continua a buscar novos horizontes intelectuais. Ela ainda não sabe quais serão suas próximas leituras, mas expressa seu desejo de se aprofundar em romances policiais e obras de ficção agora que a concentração está voltando. “Tenho uma amiga que me trouxe alguns livros, e logo que terminar o da China, já sei por onde começar”, diz, com entusiasmo.
Sua dedicação à literatura já gerou frutos concretos, como a publicação de seu livro “Passado & Presente se Entrelaçam para o Futuro” em 2021 e sua participação em uma coletânea da Academia Saltense de Letras do ano passado. Neste ano, ela não conseguiu participar da coletânea “Elas – Trajetórias Femininas de Coragem, Resiliência e Inspiração” por causa das dificuldades de concentração. Para Cristina, a literatura é um meio de autoconhecimento e de conexão com grandes temas da humanidade. “Através da literatura, conseguimos acompanhar a narrativa do caminho do ser humano no mundo e seu sentido de vida”.
Ainda que reclusa e afastada das atividades comunitárias que tanto ama, Cristina Salvador mantém-se firme em seu compromisso com a cultura e a espiritualidade. Seu mergulho literário e espiritual neste momento mais complicado revela a força de uma mulher que, aos 83 anos, continua a buscar sentido e beleza em meio às adversidades. “A vida nos coloca desafios, mas é na leitura e na reflexão que encontro meu alento”, conclui. Ela também não deixa de admirar as flores que brotam na propriedade e os pequenos detalhes da vida simples e cotidiana do local. “Deus é magnífico”.