A Academia Saltense de Letras (ASLe) perdeu na madrugada desta quarta-feira (11) uma de suas primeiras integrantes, que abrigou em sua casa as reuniões iniciais do grupo. Virgínia Soares Liberalesso faleceu em São Paulo aos 98 anos e deixa uma história de simplicidade e doçura que nortearam toda a sua vida.

“Dona Virgínia sempre foi uma pessoa admirável e é assim, dessa forma amável e harmoniosa, que permanecerá em nossos pensamentos e em nossos corações. Tenho plena certeza de que hoje estamos chorando aqui pela sua partida, mas o céu estará sorrindo”, disse o presidente da Academia, João Milioni.

Os ex-presidentes Antônio Oirmes Ferrari e Anna Osta também lamentaram a perda. Ambos com muitas lembranças da convivência do início do grupo. Eles se recordam que, por Ettore Liberalesso, com quem Virgínia foi casada por 70 anos, ter iniciado a formação da academia, as primeiras reuniões eram na casa deles.

Entre os acadêmicos, Virgínia era conhecida por sua fala mansa e gestos cuidadosos, mas principalmente por sua generosidade. “Uma pessoa incrível que me ligou de longe pra me dizer coisas lindas do meu último livro”, disse a acadêmica Cynara Lenzi Veronezi, recordando-se da atenção que ela tinha com os outros.

A alguns acadêmicos, chamava de meninos. “Era o jeito de mãezona que ela tinha”, disse Jorge Duarte, um dos meninos, que teve uma aproximação muito grande com ela nos últimos anos. Gasparini Filho, outro menino, também se recorda com saudade. Mércia Falcini fala do café com bolo que lhe oferecia nas reuniões.

Olhinhos brilhantes

Titular da cadeira 25 da Academia Saltense de Letras, cujo patrono é Mário de Andrade, Virgínia Soares Liberalesso escrevia desde muito nova. Gostava de crônicas, mas produziu também contos e poesias, com destaque para o haicai, além de histórias infantis. Foi premiada em diversos concursos.

É autora dos livros: “Contos de Antigamente, lançado em 2010; “O Tesouro do Guaraú, de 2011; “Devaneio”, de 2013, em parceria com o também acadêmico Lázaro José Piunti; “A História de Mani”, de 2015; “Salto – Por que Me Encanta?”, de 2017, em parceria com outros acadêmicos; e “Haicais”, do final de 2018.

“Nunca vou me esquecer dos olhinhos brilhantes e do entusiasmo daquela senhora, que, do alto de seus quase 90 anos, cuidava com rigor de todos os detalhes para que os seus livros saíssem perfeitos”, disse Rose Ferrari, acadêmica editora de livros.

Virgínia Soares Liberalesso dedicou 45 anos da sua vida profissional para o jornalismo no jornal “O Trabalhador”, sete dos quais como diretora responsável. Também fez revisão, edição e coordenação, além de escrever páginas inteiras de seções especiais e de gerenciar a oficina de produção.

Ela nasceu em 18 de janeiro de 1922 na cidade paulista de Pindamonhangaba. Perdeu os pais muito cedo. Por isto, mudou-se para Salto aos 5 anos. Residia em uma casa que ficava em frente ao hoje prédio do Museu Ettore Liberalesso. Curiosamente, foi nessa região da cidade que mais tarde conheceria o marido.

História de amor

Na adolescência, por um desejo da mãe, o historiador Ettore Liberalesso entrou para a banda de João Dalla Vecchia. A mãe queria que um dos filhos fosse músico. Apesar de aceitar integrar a banda, Ettore se tornou escritor mais tarde. A banda tocava na saída das matinés do antigo Cine Verdi, que eram sempre cheias.

“Ettore era o último dos integrantes que passava”, disse Virgínia em entrevista para o programa “Lado a Lado”, da jornalista Mirna Bicalho, em 2018, quando falava do seu último livro. Esse detalhe fez com que eles trocassem olhares ou como se dizia na época, em 1940, que dessem linha, mostrando um interesse mútuo.

Virgínia não chegou a fazer cursos normais, que eram mais raros para mulheres na época. Mas estudou corte e costura com Amélia Rocha. O curso era à noite e um dia, na saída da casa da professora, em frente do prédio onde hoje é a escola Tancredo do Amaral, Ettore foi esperar por Virgínia. O namoro começou aí.

Nem mesmo a mudança de Virgínia para São Paulo interrompeu o relacionamento. O casamento foi quando ela fez 19 anos e ele tinha 21. A união durou até a morte dele, em julho de 2012. Tiveram os filhos Anita e Paulo de Tarso e deles os netos: Louise, Luís Eduardo, Maria Clara, Helena, Luísa, Lucas e João Pedro.

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