Conversa com meu pai
– E aí velho, como estão as coisas?
– Que linguajar é esse?
– É como se fala agora.
– Nossa, piorou muito então. Ninguém merece ser chamado de velho. Não me chame assim.
– Deixa de ser ranzinza. Se tu é velho, tu é velho. Vai querer ser pivete agora?
– E quem quer ser velho?
– Ué, acho que todo mundo. Um dia vai ter de ser. Não tem muito como fugir.
– Pois eu te digo que ninguém que ser velho.
– E por que não?
– Porque todo mundo acha que tem o direito de se meter na vida do velho. Não te deixam ter opinião para nada. Se você se irrita e fala mais alto para mostrar que tem autoridade, eles dizem: – Não liga não, ele está velhinho, coitado.
– Não seja ridículo pai.
– Ridículo é mijar na calça e depois dizer que nem o Chaves: foi sem querer. E foi mesmo.
– Rsrsrsr.. Isso acontece. É uma fase.
– Uma fase é ter espinha no rosto. Você sabe que vai passar. Ser velho não: só piora. Quando você opera a catarata, aparece uma dor no ciático.
– Pare de reclamar. Deve ter coisa boa. Você está de má vontade com essa fase, que é linda.
– Tem sim.
– Não falei.
– Mas eu esqueci.
– Poxa, você está cansado da vida?
– Eu não. Estou cansado é de ser velho. A minha caixinha de remédios já não tem mais espaço.
– Mas precisa se cuidar pai. É assim mesmo. São só cuidados que você precisa ter.
– Que nada. Você toma remédio para azia e afeta o estômago. Daí toma remédio para o estômago e estraga o intestino. Toma para o intestino e…
– É assim mesmo. É normal pai.
– Normal nada, essa semana comecei a tomar remédio para a memória, porque esqueci para que servem os outros remédios da caixinha.
– Rsrsrsr. Mas ninguém mexe com velho assim. Vocês têm prioridade em tudo. As pessoas ajudam…
– Ajudam nada. Outro dia coloquei uma calça rasgada no joelho, que nem a sua sobrinha usa e todo mundo acha legal. Daí me levaram no pronto socorro achando que eu tinha caído.
– Isso é cuidado pai.
– Você acha que é cuidado? Eu disse que não tinha caído, que era moda. Aí enfermeira falou: – Moda pra você vovô é ir à praia de calça arregaçada no joelho.
– Rsrsrsr.
– Ser velho é requerer paciência e ninguém tem paciência com ninguém, muito menos com velho.
– Não é assim.
– Outro dia eu fui à farmácia comprar esparadrapo. Quando vi a atendente, fiquei perplexo. Era uma menina tão estranha que não tive como não olhar. Queria descobrir de onde ela tinha vindo. Ela tinha o cabelo verde, usava um brinco só e carregava uma correntinha no pescoço com uma plaquinha no meio dos peitos, onde estava escrito: não olhe aqui. Imagina se não olhei. Ela disse: – O senhor sabe ler? Eu disse: – Ler eu sei e você sabe esconder? Ela fez cara de brava e perguntou o que eu queria. Eu já tinha esquecido o nome do que fui comprar.
– Está vendo pai, velho precisa de cuidados.
– Que nada. Precisa de paciência só. Eu disse: quero aquela coisa que cola, sabe? Ela perguntou: – Superbonder? Eu quase xinguei aquela marciana. Vou comprar Superbonder na farmácia?
– Rsrsrsr.
– Tentei de novo: vem em um rolo assim. Ela: – Papel higiênico? Eu já estava querendo esganar aquela menina. – Não, não é papel higiênico. – Senhor, tente se lembrar do que quer, eu vou atender outras pessoas. Não posso ficar aqui esperando.
– Por isso que você tem de ir com alguém pai. E o que você fez para comprar o esparadrapo?
– Não comprei nada. O segurança me fez sair de lá.
– Por quê?
– Eu falei para ela: vai dobrar lençol de elástico para aprender a ter paciência e ela botou o dedo no meu nariz e disse: vai contar gafanhoto na Argentina para ver se tem 40 milhões mesmo, seu velho ridículo.
– Rsrsrsr. Você não tem jeito pai. Mas ser velho é bom. Sabia que está chegando o Dia dos Pais?
– Ah, Dia dos Pais é bom para quem é jovem. Velho só ganha presente de velho.
– Como assim? Que presente eu te dei ano passado? Não era de velho.
– Era um pijama.
– Puxa, mas e no outro ano?
– Foi um par de chinelos.
– Mas eu nunca te dei nada de jovem?
– Deu.
– Ah, eu sabia. O que foi?
– Uma camisa social com gravata.
– Está vendo: um presente jovem e legal.
– Legal se eu fosse um executivo. Só usei gravata quando me casei e ainda assim era alugada.
– Poxa pai.
– E seus filhos te deram o quê?
– Um pijama.
Finalmente o vi dando um sorriso largo.
– Então seja bem-vindo à terceira idade, seu velho.
Cronica linda , obrigado Eloy por dividir seus sentimentos e mexer com o meu sentimento .
Obrigado Kermes.
Lindo texto
Obrigado Nelson