Dizes que brevemente serás a metade de minha alma.

A metade?

Brevemente?

Não: já agora és, não a metade, mas toda.

Dou-te a minha alma inteira, deixe-me apenas uma pequena parte para que eu possa existir por algum tempo e adorar-te.

Graciliano Ramos de Oliveira nasceu em 1892, na cidade de Quebrangulo, em Alagoas. Morreu no Rio de Janeiro, em 1953, aos 61 anos.
Trecho de uma das cartas que escreveu para Heloísa

“Apaga-se a luz, deito-me. O sono anda longe. Que vieste fazer em Palmeira? Por que não te deixaste ficar onde estavas?

Não consigo dormir. O nordeste, lá fora, varre os telhados. Na escuridão vejo distintamente essa mancha que tens no olho direito e penso em certa conversa de cinco minutos, à janela do reverendo. Por que me falaste daquela forma? Desejei que o teto caísse e nos matasse a todos.

Andei criando fantasmas. Vi dentro de mim outra muito diferente da que encontrei naquele dia.

Por que me quisestes? Deram-te conselhos? Por que apareceste mudada em vinte e quatro horas? Eu te procurei porque endoideci por tua causa quando te vi pela primeira vez.

É necessário que isto acabe logo. Tenho raiva de ti, meu amor.

Fui visitar o Padre Macedo.

Falou-me de ti, mas o que me disse foi vago, confuso, diante de dez pessoas. É triste que, para ter notícias tuas, minha filha, eu as ouça em público. Foram minhas irmãs que me disseram o dia do teu aniversário e me deram teu endereço.

Tinha razão quando afirmaste que entre nós não havia nada. Muito me fazes sofrer.

É preciso que tenhas confiança em mim, que me escrevas cartas extensas, que me abras largamente as portas de tua alma.

Beijo-te as mãos, meu amor.

Recomendo-me aos teus, com especialidade a dona Lili, que vai ser minha sogra, diz ela. Acho-a boa demais para sogra.

Amo-te muito. Espero que ainda venhas a gostar de mim um pouco. Teu Graciliano”.

Palmeira, 16 de janeiro de 1928.

LIVRO CARTAS DE AMOR A HELOISA
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