As lições de Paulo Freire
Texto escrito pela acadêmica Mércia Falcini.
Cadeira número 3
Patrono: Paulo Freire
Não poderia passar o mês, sem escrever sobre o meu patrono, na Academia Saltense de Letras. No dia 19 de setembro, Paulo Freire completaria 99 anos neste difícil ano. O ano de 2020 marca um significado histórico e será lembrado como o ano em que a pandemia causada pelo vírus SARS-CoV-2, impôs o isolamento social no mundo todo. Por muitas vezes, enfrentando os desafios das escolas fechadas, lembrei do conceito freiriano sobre o INÉDITO VIÁVEL.
O conceito do inédito viável foi abordado por Paulo Freire nos livros Pedagogia do Oprimido e Pedagogia da Esperança, com espaço de vinte anos entre as duas publicações. Uma na década de 1960, no exílio, e a outra já de retorno ao Brasil, na década de 1980. E aqui cabe registrar sua grande importância, quando em Brasília, no Ministério da Educação, defendeu o ensino público, laico, gratuito e de qualidade.
Mas, voltando ao conceito do inédito viável, podemos compreendê-lo pensando em como todos nós enfrentamos, na vida pessoal e social, obstáculos e barreiras que precisam ser vencidos. Algumas pessoas encaram esses obstáculos como algo que não podem transpor ou como algo que não querem transpor; já outras, enxergam como algo que precisa ser rompido e, então, se empenham na sua superação, tornando o inédito viável. Nas palavras de Freire, “A pedagogia do inédito-viável mobiliza o sujeito para refletir sobre a visão da história como possibilidade, e não como algo fatalista, já determinado e insuperável. Desta forma, a realidade é concebida como algo que está sendo e pode ser transformado”.
Por isso também, tenho pensado muito sobre o que eu aprendi com Paulo Freire. Já no magistério – curso para formar professor, equivalente ao ensino médio, que não existe mais – fiz minhas primeiras leituras sobre esse Paulo, até então desconhecido para o meu universo normalista.
Aos poucos, Freire foi se tornando referência dos meus estudos e esteve comigo em todas as fases desta longa caminhada, onde se misturam prática, teoria, suor, medo, desejos, anseios e esperança. Aliás, foi Paulo quem me ensinou a esperançar. Termo que criou quando explicava aos oprimidos o significado de acreditar na mudança, na luta e no sentimento que rompe a zona de conforto e nos impulsiona a agir. Ele dizia: “É preciso ter esperança, mas ter esperança do verbo esperançar; porque tem gente que tem esperança do verbo esperar. E esperança do verbo esperar não é esperança, é espera. Esperançar é se levantar, esperançar é ir atrás, esperançar é construir, esperançar é não desistir! Esperançar é levar adiante, esperançar é juntar-se com outros para fazer de outro modo”.
Assim, inspirada no inédito viável quero esperançar um mundo pós-pandemia, repleto dos 5 ensinamentos de Paulo Freire, selecionados e comentados por mim, para que possamos fazer a lição de casa:
- “Não é no silêncio que os homens se fazem, mas na palavra, no trabalho, na ação-reflexão.” Por isso, não se cale, sobretudo diante às injustiças e aos preconceitos. Não tenha vergonha de se posicionar; de lutar pelo que é certo.
- “ Ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo.” Nesse pensamento mora a essência da aprendizagem, que é relacional e que demanda ambientes de boa convivência, de relações saudáveis, regidas pelo diálogo, pela boa conversa, pelo respeito e pelo amor.
- “Não basta saber ler que ‘Eva viu a uva’. É preciso compreender qual a posição que Eva ocupa no seu contexto social, quem trabalha para produzir a uva e quem lucra com esse trabalho.” Lição esta que suscita o pensamento crítico, que protesta contra os repetidores de conteúdos e que inspira uma educação reflexiva, capaz de formar cidadãos e não robôs.
- “O mundo não é, está sendo.” Essa é a lição do inédito viável, de que podemos fazer diferente, sair do conformismo, de revolucionar e lutar por um mundo que se faz por nós, que está em processo e que portanto pode ser melhor.
- “É fundamental diminuir a distância entre o que se diz e o que se faz, de tal forma que, num dado momento, a tua fala seja a tua prática.” E para finalizar, a lição do exemplo, da coerência, de ser visto fazendo. Como diz o ditado popular: “os pés falam mais que boca.”
Paulo Freire nos deixou em 02 de maio de 1997, com 75 anos de vida, sem nunca imaginar o inédito ano de 2020. No entanto, sua obra, referenciada pelos mais importantes centros acadêmicos de estudos e pesquisas do mundo, nos incentiva ao viável. Certamente, nos diria: faça o seu melhor hoje, enquanto se prepara para fazer melhor ainda, amanhã.
A Pandemia vai passar; Paulo Freire é para sempre.
Muito boa essa reflexão em Freire do Inédito viável . Parabéns Mércia !