10 - APARECIDA

ATENTO AO ENTRA E SAI, o guardador de carros na Rua Aparecida enfiou no bolso os caraminguás das gorjetas. Não era do restaurante. Fazia ponto no quarteirão, conquistado na raça, oferecendo vagas pros interessados em estacionar. Até gastara uma grana no colete laranja – de imitação – pra impor respeito.

Que trabalheira, sô! – Pensou. O sol escaldante da uma da tarde cozia os miolos. O homem olhou pra baixo. O suor escorria e salgava a boca. Da fresta do muro desentocou a garrafa plástica de água – morna – e jogou uns goles pra dentro da goela.

A rua entupida era estreita e só subia. Os veículos estacionavam dos dois lados. Inferno era parar o trânsito para os fregueses saírem com o carro, no meio do buzinaço e dos palavrões dos motoristas.

– Sexta-feira “braba”- resmungou ele.

O caminhãozinho de mudanças sacolejava os taréns na carroçaria. E vinha. Serpenteando feito cobra sucuri de bucho cheio. No meio do estaciona-sai-xinga-buzina, a “coisa” despencou do caminhão e rolou pra sarjeta – redonda e preta. Estava tão perto…

– E se alguém pegar primeiro? – Pensou o guardador, espichando o olho comprido pra ela.

Nervoso, chegou de manso, abaixou a mão e agarrou firme. Aquilo pesava. Puxou pra um canto. Era um saco preto de lixo com a boca amarrada. Abriu o nó e espiou. Roupas. De criança?! Revirou as peças.

– Não tem serventia – resmungou mal humorado. O nó voltou pro lugar. O saco ficou na calçada. O guardador se foi.

A gerente do restaurante saiu e viu. Rapidamente agarrou o volume e o levou pra dentro. Fechou a porta. Abriu o saco. Roupas de criança!? Não eram novas, mas estavam tão limpinhas… O saco voltou pra calçada, bem do jeitinho que saíra.

Um bando de adolescentes desceu a rua e viu a “bola”. Uns chutes aqui, outros acolá, e gargalhadas acompanharam o rolar até o meio-fio, onde enroscou.

O motorista assistiu do farol. Acelerou e encostou o carro. Abriu a porta e apanhou o pacote.

– Que será que tem dentro? Abriu e soltou um “aaaaaahhhh…” bem murcho. Coçou a cabeça. Os passantes olhavam. Do celular ligou para o principal jornal da cidade informando do achado.

– Vai que alguém precisa, né? Pensou desenxavido.

(Inspirado em nota no Jornal Cruzeiro do Sul, em 17 de agosto de 2006, editoria Cidades, “Comerciante busca dono de trouxa de roupas perdida”)

 

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ANDRADE JORGE
8 anos atrás

O mundo precisa de atitudes humanitárias, como essa por exemplo. Belo texto.