Amante da leitura, Chico se apaixonou pelo livro digital perdidamente
Especialista no gênero crônica, tendo escrito continuamente por mais de 40 anos na imprensa de Salto e ainda na ativa quinzenalmente pelo jornal Taperá, ele afirma que a leitura longe do papel lhe dá mobilidade e múltiplas opções
Certamente o irmão de Francisco Carlos Garcia, o Chico Garcia, como o escritor é mais conhecido em Salto, não pensava que, ao dar um kindle de presente a ele, o faria se apaixonar pelo livro digital. Aos 70 anos completados neste domingo (23), era mais natural que ele preferisse o livro em papel como conheceu na sua geração.
Só que Chico surpreendeu a ele e a si mesmo ao perceber a mobilidade que ganhou com o equipamento e as múltiplas opções que conquistou com ele rapidamente. “Estava lendo ‘Torto Arado’ (bestseller do brasileiro Itamar Vieira Júnior), notei semelhança com Gabriel Garcia Marquez e fui logo conferir: que facilidade”, diz.
Depois dessa conferência, o escritor afirma que testou várias outras. “Bastava ter uma ideia de livro e buscá-la para tê-la à mão. É maravilhoso. Adoro livro de papel, mas o kindle é um mundo novo”, entusiasma-se, contando que pôde reler clássicos, se aventurar por novos como “Torto Arado” e conhecer um universo inédito inteiro.
Para ele, o tempo é algo fundamental e aproveitá-lo com leitura o faz feliz. ”Ter a leitura facilitada pela tecnologia é o que de melhor poderia acontecer. Confesso que estou apaixonado”, conta. Seus planos agora são resgatar leituras que ficaram pelo caminho por não encontrar um livro em papel ou porque o tempo não permitiu.
Tanta paixão pela literatura e uma experiência consolidada como cronista poderiam fazer supor que o escritor presenteasse o público com um romance ou um livro mais denso, mas Chico não pensa em escrever algo assim: “Eu sou de tiro curto. Tenho um método meu. Converso, vou lá e registro. Tenho crônicas semiprontas até 2026”.
Ele escreve a cada 15 dias para o jornal Taperá, o mais antigo semanário de Salto, e gosta de dizer que escreve o que vê e o que sente e que não tem compromisso com datas e nem com fatos. “O meu negócio é contar uma história rápida, com uma moral e pronto. Por isso é que digo que a crônica é o meu tamanho”.
Admiração
Em razão dessa dificuldade entre aspas para escrever um texto longo como uma novela ou um romance, Chico é um admirador de escritores que têm fôlego para esse tipo de obra. “Um dia ouvi um autor de novela dizer que escrevia 15 laudas por dia. Se não escrevesse um dia, tinha de fazer 30 no outro. E tudo com emoção”.
Na opinião do escritor, se ele tivesse de fazer algo assim entraria em parafuso. “Precisa de muita disciplina, muita pesquisa, desenvolvimento de personagem. Um livro é uma coisa antológica. Eu admiro quem tem esse dom. Mas fico feliz de poder escrever crônicas, porque elas tocam o leitor e o fazem aprender também”.
Além de “Torto Arado”, Chico também leu recentemente “Terra Sonâmbula”, o primeiro romance de Mia Couto, um biólogo, jornalista e autor de mais de trinta livros, entre prosa e poesia, que tem nome igual ao da escritora brasileira. “Ele tem a mesma pegada de ‘Torto Arado’ e lembra José Saramago e Gabriel Garcia Marquez”.
O universo que está descobrindo com as possibilidades conquistadas a partir do kindle que ganhou é enorme e ele não pretende parar tão cedo. “Agora eu tenho o veículo que me leva para todos esses mundos que a literatura é capaz de trazer na palma da nossa mão e com muito mais rapidez e eu não vou deixar escapar”.
Experiência
Chegar aos 70 anos para Chico é um privilégio em um país como o Brasil, onde a saúde, a Previdência e os cuidados com o idoso estão em débito há muito tempo. “Eu gostaria que muito mais pessoas pudessem chegar a essa idade com a saúde que eu tenho e com a cabeça que consegui formar na vida, mas isto ainda é sonho”.
Ex-seminarista (esteve nas fileiras do Seminário dos Premonstratenses entre 1964 e 1970) e com uma larga experiência de mais de 20 anos como desenhista na iniciativa privada e professor universitário, o escritor afirma que conseguiu reunir uma bagagem que lhe dá orgulho e que o possibilita dividir com os mais jovens.
“Só tenho gratidão pelas circunstâncias que me levaram a ser quem sou”, se define em relação à literatura e como cidadão. Humilde, Chico Garcia se diz feliz por conviver com escritores na Academia de Salto e aprender com a vida. “Tive a sorte de ter bons amigos, uma mulher incrível como a Rute e filhos maravilhosos”.
Titular da Cadeira 13 da Academia Saltense de Letras, onde é um dos 16 escritores-fundadores e tem como patrono outro bom contador de histórias: Monteiro Lobato, o escritor tem uma produção constante e é um dos poucos acadêmicos que participou de todas as publicações de coletâneas da Academia até hoje.