Água
Sofia colocou água em um copo e começou a saboreá-la como se fosse um Moet Chandon.
Ninguém entendeu nada.
Depois de um surto de raiva minutos antes, era estranha aquela calma toda e aquele tratamento com a água.
Ela viera da rua explodindo.
Parecia que tinha visto o inimigo número um do mundo.
– O que aconteceu?, perguntou a mãe.
Mas ela não quis responder.
Disse só uma frase que, para dona Otília, dava um recado claro de que não queria falar:
– Não aconteceu nada, nada, nada.
Só algum tempo depois é que se descobriu.
O primo Ricardo, que trabalhava no bar que Sofia gostava de frequentar, foi quem contou:
– Ela se irritou com o barman.
– Como assim?
Quando Sofia chegou bem perto do balcão e pediu uma garrada de água, ele devolveu o pedido com uma pergunta:
– De cerveja?
– Não, de água.
Sofia estava morrendo de sede e queria ser rápida.
Não adiantou.
O balcão do bar era largo e, mesmo estando perto dele, Sofia não ficara próxima o suficiente do barman.
Além disso, estava um barulho danado, embora desse para ler os lábios dela dizendo água.
Ele fez cara de quem não havia ainda entendido:
– Mais forte?
– Estou gritando já: água.
Disse e fez o gesto de colocar em um copo.
– Vodka, é isso?, perguntou o barman.
– Não, meu amigo, água. Eu quero água. Estou morrendo de sede. Parece que comi um bacalhau puro agora.
Sofia fez um gesto com as mãos como se demonstrasse que queria um líquido que escorre por onde passa.
– Ah entendi: cachaça?
– Não, Cristo. Estou dizendo: á-gu-a, á-gu-a, entendeu?, ela estava vermelha já por falar tão alto.
O barulho parecia aumentar.
Sofia frisava, repetia, soletrava, gesticulava, tudo mais alto que o barulho, mais claro que a própria água desejada.
– Está certo, agora sim, agora sim, disse o barman.
– Finalmente, suspirou ela, sem que ele ouvisse.
Em seguida, o barman voltou a perguntar:
– Você quer pura ou com limão?
– O quê? Pura, eu quero pura. Mas você está falando de água, né? Água, né? É isso que eu quero.
Ela fez o gesto de novo demonstrando que era uma garrafa pequena o que queria.
O barman fez sinal de positivo pela primeira vez.
– Você quer mini ou média?
– Agora estamos nos entendendo, disse ela sem que fosse alto o suficiente para ele ouvir.
Era mais um desabafo mesmo.
Ela escolheu a mini.
Mas antes de que o barman pegasse a água, ele voltou a perguntar para tirar mais uma dúvida:
– Com gás ou sem gás?
Já era muto que ele tivesse entendido finalmente, mesmo assim Sofia fez o gesto de sem, não queria com gás.
Então ele entrou para a cozinha.
Demorou um pouco a voltar.
Quando o barman saiu com a água na bandeja, fez questão de dar a volta no balcão e se aproximar dela:
– Eu já trago a sua cachaça, disse se afastando rapidamente como se fosse voltar para trás do balcão.
– O quê?, ela se irritou definitivamente e agarrou a garrafa de água que ele trazia na bandeja, sem dar chance para que retirasse o produto do alcance dela.
– Calma, calma, disse o barman parado na frente dela.
– Você é louco?
– Eu entendi desde a primeira vez. Só estava testando a sua paciência, disse ele rindo sem parar.
Sofia não pensou duas vezes: apesar da sede, pegou a garrafa de água e jogou-a toda na cara do barman.
– Você é louca?, disse ele.
Sofia deixou o bar sem pagar pela água e sem tomá-la.
Agora era o barman quem se irritava.