Abóbora no vapor
ORDÁLIA ERA O NOME DELA – a generosa amiga que me deu a receita.
– Simples de fazer – dizia de facão na mão, pronta para atacar a abóbora de casca resistente.
– Pique em pedaços pequenos, mas não muito, viu?. Acrescente sal, azeite, temperos variados e escolha a panela certa – recomendava.
Sim. O tamanho da panela contava no resultado.
– Ah! Não esqueça o raminho de salsa por cima, só pra aromatizar.
A iguaria cozida no vapor exalava um delicado e irresistível aroma, que dava água na boca.
Ordália perdeu-se nas mudanças da vida. A receita adormeceu no caderno, até a chegada de um novo tempo.
Na pequena casa envolta em jardim, o cheiro das Rosas se espalhava por fora e por dentro, misturado aos odores da cozinha.
No fogão, um feijão se tornava tutu – à mineira – com o molhinho acebolado jogado por cima, enquanto a couve era assustada no óleo quente, bem depressa pra ficar verdinha. Tudo feito a quatro mãos.
O velho caderno desperto abriu suas páginas, trazendo de volta a lembrança da abóbora, ora compartilhada da feitura à degustação.
Enquanto duas mãos descascavam, picavam e lavavam, um par de outras espalhava diminutas porções de temperos, saídos de misteriosos potinhos.
Grossas rodelas de cebola e tomate ocupavam lugar na panela, enfeitadas pelo raminho de salsa. Alimento para o corpo e para a alma.
Não apenas Proust teve suas Madeleines, no volume intitulado “O Tempo Reencontrado”.
Abóboras, Rosas e jardins também são poderosas ferramentas para se ir “Em Busca do Tempo Perdido”.
(Para Rose, 2011)
Primor de texto, além de deixar com água no beiço. O tempo perdido não se acha mais, posto que é fugaz, mas podemos tentar revive-lo. A receita está aí. Sirvam-se.