A vida cavalga nos olhos de João Marcos Andrietta
Autor de quatro livros mesmo com paralisia motora, empresário se tornou membro honorário da Academia Saltense de Letras
O desespero que se poderia sentir ao olhar o mundo como se os olhos fossem uma janela com grades, de onde não se pode sair, se transforma rapidamente em um olhar intenso de fé, de esperança e de vida para quem se defronta com João Marcos Andrietta.
Essa foi a impressão que um grupo de seis integrantes da Academia Saltense de Letras viveu, na segunda-feira (21), durante a cerimônia oficial que introduziu o empresário do ramo de artefatos de borracha como membro honorário da instituição.
Preso a uma cama há 12 anos, vítima da Esclerose Lateral Amiotrófica que o acomete há 14 anos, doença causadora de paralisia motora 18 meses após o seu surgimento e que mata em três anos, João Marcos Andrietta é um exemplo de resistência.
Mais que isto, ele transformou a sua condição em uma motivação para criar e produzir literariamente. Mesmo mexendo apenas os lábios, os olhos e as sobrancelhas, ele escreve dez horas por dia. E consegue ver, ouvir e entender tudo que se passa ao seu redor.
Nesse tempo de enfermidade já são quatro livros escritos com o auxílio de programas de computador, adaptados pelo irmão Paulo e o sobrinho Lucas, que permitiram escrever apenas com a pressão dos lábios em um mouse adaptado ao programa Grid2.
Produção literária
No início, João Marcos utilizou o programa de computador Mytobii, que captava o movimento da íris e o combinava com um piscar de olhos para estabelecer a comunicação. Mas, como usa óculos, a calibração do equipamento ficou cansativa e improdutiva.
Hoje usa o novo programa e uma tabela alfanumérica, com a qual auxiliares, de áreas multidisciplinares, interpretam o movimento de sobrancelhas dele, formando letra por letra até a construção da frase inteira e ao longo do tempo o texto de todo o trabalho.
O livro em que conta passo a passo como adoeceu, como vive com a doença e como espera a cura, intitulado “Momento de viver” vendeu 2 mil cópias na primeira edição e outras 3 mil na segunda e toda a renda foi revertida para entidades beneficentes.
João Marcos escreveu também “Reflexões das Cartas de Frederico Ozanam”, “Servir com simplicidade” e “Sinal de vida” (este último será lançado em 2023), além dos volumes 1 e 2 da revista “Esperança na dor”, e em todos fala sempre de fé, vida e esperança.
Novo imortal
“São a sua resiliência, amor à vida e vocação para a defesa do semelhante, que sempre pautaram a sua vida e produziram essas obras, que fizeram a Academia Saltense de Letras escolhê-lo”, discursou Marilena Matiuzzi, cadeira 39, patronesse Cora Coralina.
Representando a presidente Anita Liberalesso Nery, cadeira 11, patrono Odmar do Amaral Gurgel, que não pôde estar presente, Marilena reforçou que agora João Marcos se tornava imortal e que passará a participar de todas as reuniões da Academia.
Em retribuição, o empresário pediu que a esposa Cirlene Andrietta, companheira há 37 anos e com quem tem duas filhas, entregasse à comitiva uma carta que redigira, na qual diz da sua alegria em integrar o grupo de acadêmicos e da sua fé e esperança.
Ele fez questão de mostrar ao grupo como opera o computador, deixando a todos impressionados, e a cada fala de cada membro da comitiva, se manifestava interagindo com a ajuda de uma enfermeira e construía a resposta no movimento de sobrancelhas.
Rapidamente, com a destreza que adquiriu na prática diária, João Marcos revelou que fez vários cursos online e que consegue escrever e ler e-mails e até reproduzir voz usando toques suaves no mouse adaptado: “Sou muito grato a Deus”, concluiu.
Emoção e fé
A comitiva de acadêmicos que levou o título de membro honorário foi formada também por Valter Lenzi, cadeira 6, patrono Mário Dotta, e Jorge Duarte Rodrigues, cadeira 29, patrono Pablo Neruda, proponentes do título, aprovado unanimemente em 3 de setembro.
Ainda integraram o grupo o ex-presidente da Academia Saltense de Letras Antônio Oirmes Ferrari, cadeira 7, patrono Machado de Assis; Alberto Manavello, cadeira 9, patrono José de Alencar; e Eloy de Oliveira, cadeira 31, patrono João Cabral de Mello Neto.
Em suas falas, os acadêmicos enalteceram a luta pela vida e a intensa fé e devoção de João Marcos Andrietta, tendo como destaque a confissão de Manavello, que se emocionou ao dizer que o homenageado reforçou a sua fé em Deus.
“Sempre fui um homem de oração. Todos os dias peço as graças de Deus para mim, para minha família e para a minha comunidade. Na minha comunidade, você brilha sempre. Por isto, quero te confessar que cresci muito na oração por você”, disse ele.
Ao final, a vice-presidente disse que a cerimônia foi a posse mais bonita que a Academia já fez. Os acadêmicos deixaram a casa do empresário encantados com a sua resiliência. “Quando achar que as coisas estão ruins, pensarei nele”, disse Antônio Oirmes Ferrari.
Médico diz que sua vida foi mudada por João Marcos Andrietta
O professor doutor Acary Souza Bulle Oliveira, neurologista da Escola Paulista de Medicina, diz que a sua vida foi modificada pela experiência que viveu com João Marcos Andrietta e sobre como ele enfrenta a doença degenerativa, que o imobilizou há 12 anos.
“Quando fiz o curso de medicina e residência médica, em 1981, e depois no pós-doutorado, sempre tive para mim que uma doença com a qual eu não queria lidar era a Esclerose Lateral Amiotrófica e, em uma pesquisa, seis em cada dez não querem também”.
O médico classifica a doença como dramática, porque vitima o paciente, seus familiares e a equipe de cuidadores. “Todos são afetados. Além disso, ela é rápida. O diagnóstico sai em 12 meses. A paralisia ocorre em 18 meses e a morte em 36 meses”.
Mas ele diz que se surpreendeu com João Marcos Andrietta, pois ele convive com a doença há 14 anos. Para se ter uma ideia da dificuldade, ele respira por traqueostomia (corte na garganta) e com a ajuda de respirador e se alimenta por sonda ligada ao estômago.
Até metade do tempo de enfermidade, João Marcos mexia o pé direito. Hoje são só os olhos, as sobrancelhas e a boca. Mesmo assim, ele tem toda a capacidade cognitiva saudável. Consegue ver, ouvir e perceber tudo o que ocorre ao seu redor, mas não fala.
O que o mantém vivo, já que a doença mata em 18 meses? A pergunta é do médico e ele mesmo responde: “É a força de vontade de viver. João Marcos Andrietta foi o paciente que mais me impressionou. Ele não quer viver para ele e sim para o próximo”.
Essa missão a que se incumbiu é o que ele mais tem feito. Em seus livros mostra a sua fé e a sua esperança. Revela a sua conformação com a doença. E coloca a importância de se pensar no próximo sempre para que o outro cresça na fé.
“Aprendi com ele, com a doação que faz do seu talento para escrever e do esforço para viver, que a vida é muito importante. João Marcos Andrietta me fez gostar mais da minha vida. Não só ele, a família, os cuidadores. Muito obrigado a todos”, diz o médico.
Outro que se impressionou muito com João Marcos Andrietta foi o hoje técnico da Seleção Brasileira de Futebol, Tite, quando dirigia o Corinthians, em 2015, e o recebeu em uma cama de UTI em pleno estádio em Itaquera para conhecê-lo e para torcer, fanático que é.
João Marcos Andrietta não mediu esforços para estar lá no jogo contra o Joinville pelo Campeonato Brasileiro. Ele sempre acompanhava o time do coração. Só parou por causa da doença e não conhecia a nova Arena Itaquera. Nem Tite pessoalmente.
O encontro emocionou o treinador, os jogadores e todos que estavam no estádio naquele dia. Mais ainda porque o Corinthians venceu por 3 a 0. Tite o homenageou com algumas páginas da sua biografia escrita por Camila Mattoso e com autógrafos.
No livro, o técnico da seleção conta a troca que fez com João Marcos Andrietta: além de toda a emoção do encontro, ele recebeu do torcedor um terço de São Vicente de Paulo, de quem os dois são devotos, e Tite lhe deu uma pulseira com seus santos de proteção.
Novo membro da Academia é engenheiro de produção e empresário
O novo membro honorário da Academia Saltense de Letras, João Marcos Andrietta, tem 62 anos, mestrado em engenharia de produção e é empresário do ramo de artefatos de borracha.
Entre 1985 e 2012, comandou a Elastotec Artefatos de Borracha Ltda, da qual foi sócio-fundador e que funcionava em Sorocaba. Por causa da doença, ele se aposentou e vendeu a empresa.
Casado com a pedagoga Cirlene Andrietta há 37 anos, teve as filhas Maria Amábile, hoje advogada e contadora, e Maria Paula, que se tornou enfermeira em razão da sua doença.
É fundador da Conferência Nossa Senhora da Imaculada Conceição, em Salto, área do Conselho Metropolitano de Jundiaí da Sociedade de São Vicente de Paulo.
Foi coordenador da Comissão de Jovens e presidente da Obra Unida Lar Frederico Ozanam, em Salto. E um dos principais responsáveis pela construção do prédio da entidade.
Também foi vice-presidente do Conselho Metropolitano de São Paulo em três mandatos consecutivos e diretor de comunicação do Conselho Nacional Brasileiro em dois mandatos consecutivos.
Ainda foi segundo-presidente do Conselho Brasileiro e, com a esposa, fez parte das Equipes de Nossa Senhora (Movimento da Igreja Católica que busca viver em santidade no matrimônio).