A doença invisível
O HOMEM NU NO MEIO DA RUA ria e apontava o dedo para cima. A chegada da viatura chamou sua atenção e, num salto leve e surpreendente, caminhou sobre ela com passos de bailarino. Uma roupa lhe foi estendida para esconder a afrontadora nudez.
Das janelas do prédio alto, vultos curiosos espiavam pelas janelas – dezenas deles – enquanto carros passavam com motoristas de pescoço espichado.
A mãe desesperada implorava à polícia que desse um desconto – o rapaz tinha enlouquecido e não respondia por ele.
A ambulância chegou. O homem pulou da viatura e correu. Foi contido pela força e pelas injeções. Da sua testa projetavam-se veias que pareciam arrebentar. Pressão: 35/12.
Levado para uma Unidade de Saúde e amarrado a cama, foi liberado algumas horas depois. Voltou para casa. Tudo estava confuso. Era apenas o começo.
Conversava com os interruptores de luz e imaginava conspirações que lhe eram sussurradas; ouvia conversas e lhes deturpava o sentido, criando monstros terríveis e assustadores; notava moscas ao redor de si e pessoas que se afastavam, devido ao seu mal cheiro; observava situações e recriava os seus significados, transformando-as em gravíssimas acusações. Dormia muito pouco.
“Drogas” – diziam alguns. “Bebida”, falavam outros. Só isso para explicar o estado de humor elevado, a expansividade, euforia, hiperatividade e agitação. Foi diagnosticado como portador de Transtorno Afetivo Bipolar.
A doença atinge 6 milhões de brasileiros, que sequer sabem da sua existência. A fala rápida, os pensamentos acelerados, a criatividade desenfreada, as mudanças frequentes de assunto e a irritação, também fazem parte dos sintomas.
Tinha medo de sair às ruas, andar de carro e ir ao médico. Acreditava que o destino anunciado era sempre falso. Tentava pular do veículo em movimento, ou mudar o trajeto puxando o volante.
Da ex-mulher obteve desprezo e descaso, juntamente com o afastamento dos filhos pequenos.
Ao longo dos primeiros meses de tratamento, recusava-se a tomar banho, remédios ou cuidar das necessidades diárias. Tinha a firme crença de que nada seria capaz de reerguê-lo na vida, e que tudo era culpa dos outros. Chorava pela perda dos filhos, que não veria crescer.
Durante um longo tempo carregou consigo o seu tesouro – uma caixa de papelão, com fotos, bilhetes, presentinhos e as últimas roupas que lhes havia comprado – como se eles próprios ali estivessem.
Abandonou o tratamento. Afinal nunca acreditou na doença. Começou uma nova vida. Abriu mão da casa, dos móveis e do “tesouro”. Desapareceu no mundo e morou nas ruas. Apanhou, dividiu marmitas e comeu com as mãos sujas; ganhou chinelos de desconhecidos e pediu esmolas.
Foi resgatado. Muitas vezes.