Escritor pode escrever sobre o que quiser, respeitando a verdade, diz juiz
Para Alfredo Attié, desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, a produção literária precisa ser respeitada
O desembargador Alfredo Attié, do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, convidado da Academia Saltense de Letras para a segunda noite da 6ª edição da Semana Cultural Ettore Liberalesso, na quinta-feira (30), deu uma esperança aos escritores ao afirmar que eles podem escrever sobre o que quiserem.
A palestra “A Liberdade de Expressão do Escritor e o Direito”, proferida pelo magistrado, era aguardada com ansiedade pela classe devido aos inúmeros embates que vários autores pelo Brasil enfrentam na justiça por conta das obras que publicam e dos assuntos que escolhem abordar em suas produções literárias.
O caso mais rumoroso atualmente é o do escritor João Paulo Cuenca, que sofreu nada mais nada menos que 126 processos por conta de uma frase que publicou no twitter. As ações vêm se sucedendo desde 2020 e movimentam uma legião de pastores da Igreja Universal do Reino de Deus, instituição evangélica de Edir Macedo, que se dizem prejudicados e exigem reparação.
A frase do escritor é uma interpretação da famosa frase de Jean Meslier (1664-1729) — erroneamente atribuída a Voltaire —, que disse, no século 18, que “o homem só será livre quando o último rei for enforcado nas tripas do último padre”. Cuenca postou que “o brasileiro só será livre quando o último Bolsonaro for enforcado nas tripas do último pastor da Igreja Universal”.
Independentemente do caso desse escritor, o desembargador condicionou sua afirmação, de que se pode escrever sobre o que o autor quiser, à necessidade de se ater à verdade. Na opinião do magistrado, o escritor não pode inventar nada envolvendo fatos reais, como em uma biografia, por exemplo, mesmo que não seja autorizada, pois isto tiraria a sua liberdade legal.
Mestre em Direito e Doutor em Filosofia, ambos pela Universidade de São Paulo, o magistrado Alfredo Attié situou sua argumentação em conceitos de filosofia e de filosofia do direito para abordar o assunto com mais profundidade. Também usou sua experiência com obras como as que escreveu intituladas “A Reconstrução do Direito” e “Montesquieu”, nas quais exercita a sua tese.
Para a presidente da Academia Saltense de Letras, Anita Liberalesso Neri, Cadeira 11, patrono Odmar do Amaral Gurgel, a palestra do magistrado trouxe luz a um assunto que vem preocupando escritores desde sempre. “Dr Attié nos fez refletir sobre a continuidade das questões éticas que permeiam nossas relações com os meios de comunicação”, disse.
A vice-presidente da Academia, Marilena Matiuzzi, Cadeira 39, patronesse Cora Coralina, também elogiou a palestra do desembargador, para quem o assunto foi totalmente esgotado. “Ele fez uma explanação em um nível muito elevado. Gostei da argumentação filosófica e da abordagem sobre o conceito do que seja a identidade de cada um”, afirmou.
O assunto é tão palpitante no meio literário que dois integrantes da Academia Saltense de Letras, Romeu Bicalho, Cadeira 19, patrono Olavo Bilac, e Leandro Thomaz de Almeida, Cadeira 33, patrono Luiz Castellari, estão produzindo juntos um livro que vai tratar dos principais processos envolvendo ações contra escritores.
A dupla relatou alguns casos, como o do escritor Ricardo Lísias, de Campinas, autor de “Diário da Cadeia”, Record, que foi processado pelo ex-deputado federal Eduardo Cunha (PTB). “Queremos criar informação para auxiliar juízes ao julgar ficção, porque temos visto que a forma de encarar a ficção não está correta”, disse Leandro.
“O assunto é palpitante e cheio de conflitos. Merece uma discussão à luz da legislação”, afirmou Romeu. A publicação ainda não tem data. “Estamos na fase da pesquisa e da reflexão, mas logo teremos novidades”, adiantou Leandro. Ambos consideraram que a palestra de Alfredo Attié trouxe mais luz para as suas abordagens.