– Maldito sabonete, maldito!

Álvaro não se conteve com a dor que sentia. Fazia tempo que não xingava. Mas desta vez precisa. A dor justificava.

O sabonete escapuliu das suas mãos quando tentava esfregar as pernas e, ao levar as mãos abaixo, para segurar, acabou caindo.

Escorregou no chão, que ficara mais liso com a espuma do sabonete, batendo a bunda com muita força, apesar de se esforçar para segurar o corpo com o apoio das mãos no piso.

A dor era insuportável.

Achou que tivesse quebrado alguma coisa.

Olhou se sangrava: felizmente não.

Tentou se levantar, mas a dor o impediu.

Ficou parado mais um pouco na expectativa de recobrar as forças para vencer a dor. Era só uma questão de relaxar um pouco. Ele se conhecia. Ainda mais agora que envelhecera.

O peso dos 72 anos parecia maior na cabeça.

No entanto, era nítido que não era mais aquele moleque quase cinquentão de quando começou a frequentar o grupo de aposentados, que fazia dança para passar o tempo.

Álvaro tinha acabado de se aposentar e não via graça em nada mais. Parar de fazer o que fizera a vida inteira não era fácil.

Foi aconselhado a entrar para o grupo.

Não sabia mesmo dançar nem bolero. Seria uma forma de se enturmar novamente. Quem sabe até aprender uns passos.

No primeiro dia, conheceu Monique, uma das mais jovens do grupo. Todo mundo por lá estava na faixa dos cinquenta, sessenta. Havia até quem estivesse na sua idade atual.

Monique não. Tinha só 35. Morena clara, alta, magra, cabelos longos, negros e encaracolados. A boca vermelha.

Mesmo que não tivesse o corpo escultural que Deus lhe deu, ela faria sucesso por ser jovem e por se vestir sensualmente sempre.

As mulheres do grupo torciam o nariz.

Achavam que Monique era exibida e sem noção.

Estava claro que ela não se interessaria por nenhum daqueles homens. Afinal, o mais novo ali, antes de Álvaro chegar, tinha 58.

Pela primeira vez o ex-mecânico via vantagem em ter 47.

Assim que o viu, Monique se mostrou interessada.

Quis fazer par com ele quando foram formadas as duplas.

A aula do dia era de forró.

Álvaro não sabia dançar, mas sabia apertar pela cintura. Ela gostou. Ficaram juntos o tempo todo.

Ele se lembrava agora, ainda sentado no chão do banheiro, de como ela era bonita e do quanto era atraente.

Ah como queria receber aquele sussurro no ouvido agora.

No dia em que aprenderam samba, ela disse com a voz rouca:

– Você é incrível. Adoro como mexe o corpo. Você mexe comigo.

Olhando-se agora pelado, ele sentia as mesmas emoções.

É verdade que a barriga o impedia de confirmar isso, mas ele não duvidava, porque se sentia inflamado pela lembrança.

E quando aprenderam valsa? Que graça ela tinha ao mudar os passos com aquelas pernas longas. Seu perfume o inebriava.

Depois de tantas danças e tanto entrosamento, Álvaro achou que seria a hora de atacar. Tinha de ver se levava aquela que era para ele uma doce menina a algum lugar onde pudesse mostrar como mexia de fato o corpo e onde pudesse sentir o seu toque.

– O que vai fazer depois daqui hoje?

– Não sei Álvaro. Não tenho nada programado. E você?

– O que acha de darmos uma volta?

– Acho boa ideia, mas só se me comprar um sorvete bem gostoso. Adoro chupar esses que vêm no palito.

– Magnun?

– Não, esse é pequeno. Eu gosto dos grandes.

“É hoje”, ele pensou.

Dançaram lambada juntos.

Os requebros que Monique demonstrou o deixaram ainda mais louco por ela. Parecia que ele vislumbrava o momento seguinte.

Mas não conseguiu ver muito.

Assim que saíram da sede do grupo, Álvaro nem percebeu o que o atingiu. De repente, tudo ficou escuro e ele desmaiou.

Mais tarde, no hospital, na companhia de dois dos amigos do grupo, o ex-mecânico foi entender o que acontecera.

O homem que o agrediu com um soco muito forte, na verdade um lutador de boxe, se dizia namorado de Monique.

– Não acredito. Não é verdade. Ela não falou nada.

– Não é namorado de fato, disse um dos amigos.

Pelo que ele entendeu, o homem era ex-namorado, mas não aceitava o fim do relacionamento e a infernizava.

“Em que merda eu fui me meter”, pensou entristecido.

Melhorou o rosto quando Monique apareceu.

Ela foi visitá-lo no hospital.

Se desculpou muito e prometeu que não aconteceria de novo.

Havia conversado com o ex-namorado.

Monique tinha começado a fazer dança no grupo por causa do pai, que também fazia no início e agora estava afastado por causa de dor na coluna. Vinha trazê-lo e acabou se encantando pela dança. Ela adorava dançar “Macarena”, que acabara de ser lançada e era o sucesso do momento. Tocava em todo lugar.

– Essa não aprendemos ainda.

– Eu já sei essa, mas eles vão passar na semana que vem.

Uma semana depois, Álvaro estava de volta à dança.

“Dê alegria ao seu corpo Macarena, que seu corpo seja pra te dar alegria e uma coisa boa. Dê alegria ao seu corpo, Macarena. Ei Macarena”, a música tocava despretensiosa, assim como Monique, que dançava solta na pele de uma minissaia de jeans.

Não dava para não notar: ela tinha um requebrado que ia além da música. Mexia com os instintos mais selvagens de Álvaro. E ela fazia de propósito os gestos mais trabalhados para atiçá-lo.

“Quando eu danço, eles me chamam de Macarena. E os meninos dizem que soy buena. Eles todos me querem. Eles não podem me ter. Então todos vêm e dançam ao meu lado. Mova comigo. Cante comigo. E, se você for bom, eu vou levar você em casa comigo”.

Na hora em que tocava essa parte da música, os outros homens do grupo se aproximavam de Monique e dançavam juntos, como dizia a letra, fazendo que ela se sentisse uma deusa.

Mas Monique abraçava Álvaro no final.

Ele tinha certeza de que agora daria certo.

No final da aula, os dois saíram de mãos dadas. Antes de sair da porta para fora, ele olhou para todos os lados para se certificar de que não seria agredido novamente.

Não havia ninguém.

“Obrigado Deus”, pensou feliz.

Entraram no carro dele e ele nem perguntou nada a ela. Simplesmente dirigiu em direção ao motel mais próximo.

Mas, antes de atingir a rodovia, um carro cruzou a sua frente, fechando-o próximo da esquina. Era o ex-namorado.

Ao vê-lo, Monique desceu e foi em sua direção para dissuadi-lo de continuar aquela cena. Ele a empurrou e seguiu.

Queria Álvaro.

O ex-mecânico desceu do carro e estava disposto a enfrentá-lo agora. Não importava se ele era lutador ou não. Iria fazer o que pudesse, mas de alguma forma iria machucá-lo. Ele tinha certeza.

Só que o ex-namorado sacou um revólver.

– Pare com isso. Enfrente como homem, Álvaro disse.

– Vamos ver se você é homem então.

O ex-namorado terminou a frase apontando o revólver para Álvaro. Estavam a uma curta distância. Ele não erraria.

– Não vou matar você. Saia correndo agora. E não olhe para trás.

Temendo o pior, Álvaro obedeceu.

Quando estava a uma certa distância, o ex-namorado atirou.

Agora Álvaro se lembrava. Ainda no chão do banheiro e com muita dor na bunda, ele se lembrava.

O desgraçado atirou na sua bunda.

Por isso, ele sentiu tanta dor com o tombo.

Desde aquela época, o local ficou prejudicado.

Nunca mais quis ver Monique e muito menos dançar Macarena.

– Vinte e cinco anos depois: maldito sabonete, maldito!

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