A força da esperança e da fé
Neste momento de pandemia, muitas pessoas recorrem à fé para tentar enfrentar a solidão do isolamento social. Não estão errados os indivíduos que agem assim. Afinal, esperança e fé são reações que todos nós carregamos e que ninguém tira facilmente. Em períodos turbulentos, elas são garantias de que tudo vai passar, quando parece que não.
Mas você já parou para pensar nas razões para que este sentimento tenha tanta força e consiga de fato mobilizar as pessoas, como tem acontecido por meio das mídias? Certamente que não. Afinal, esperança e fé estão consolidadas na nossa formação desde sempre. Só a história do Cristianismo já tem mais de 2000 anos.
Neste período difícil, a publicidade tem explorado o tema à exaustão por acreditar-se nesse apego à ideia de que existe uma luz no fim do túnel e que ela não é um trem que vem de encontro a nós, mas uma abertura por onde se terá acesso a um mundo novo, livre da tragédia que se abateu sobre o planeta na forma de um vírus terrível.
No livro “Sapiens: Uma breve história da humanidade”, o historiador Yuval Harari faz uma discussão perturbadora sobre o tema. O autor afirma que o homem domina o mundo por ser a única espécie capaz de inventar e de compartilhar histórias. Histórias essas que não existem na natureza e que são produtos apenas da sua imaginação.
Nesse rol de histórias criadas de forma ficcional estão deuses, nações, dinheiro e direitos humanos. O historiador argumenta que as histórias inventadas e compartilhadas unem os seres humanos em sociedades. Ele defende que a força de coesão de um grupo depende da força desse compartilhamento e da crença de cada um na mesma ideia.
Desta forma, o ser humano vai além das suas limitações biológicas. Um animal irracional age por instinto, ainda que este instinto o coloque em perigo por conta de alguma armadilha. Já o ser humano não. Ele raciona e se une a outros da sua espécie para criar soluções aos problemas. Essas saídas variam conforme a origem de cada grupo.
O livro traz conclusões interessantes nessa seara e dá uma sacudida na cabeça de quem se aventura por suas páginas. A principal delas é a confrontação com o número de Dunbar. O antropólogo e psicólogo revolucionário Robin Dunbar entende que cada indivíduo consegue manter relações sociais estáveis com apenas 100 a 230 pessoas.
Para Yuval Harari, isto não é verdade, porque é possível manter relações e interações sociais, independentemente da confiança, com diversos grupos maiores conforme a crença de cada um. Ele ilustra com as montadoras veículos. Milhares cooperam para montar seus carros, revendê-los em concessionárias e abastecer os seus motores.
Eles se juntam por conta de uma ideia que norteou a criação das montadoras. Não fosse a imaginação do fundador e a capacidade de compartilhamento dessa ideia, ela não existiria. Outro exemplo é um estádio de futebol lotado com torcidas que agem de forma coordenada e compartilham da mesma emoção, a paixão pelo futebol.
Ou seja, os seres humanos se juntam em diversos grupos heterogêneos por conta de uma ideia em comum. Essas ideias são compartilhadas entre as pessoas e viram história. Nós seguimos as histórias de diversas origens e com os mais variados fins, mesmo que o dono da ideia já tenha morrido, como ocorreu no caso da maioria das montadoras.
A religião e a crença estão nesse rol. Bilhões se unem pelo mesmo sentimento de que existe um Deus que olha por todos. Um Deus capaz de salvar quem a ele recorre, desde que se acredite nessa salvação. Então é preciso primeiro acreditar que existe um Deus e depois que ele ajudará quem precisa. Assim, tudo acontece revolucionariamente.
É a capacidade que só os seres humanos têm de inventar e de compartilhar histórias que torna possíveis a esperança e a fé de que tudo vai passar. Afinal, essa mesma esperança e essa mesma fé norteiam a descoberta de uma vacina para o coronavírus. Cedo ou tarde teremos o tratamento e depois a cura desse mal que tanto nos aflige: acreditemos.
https://eloydeoliveira.blogspot.com/