O burro juiz
Em tempos de Pandemia por conta do COVID 19, trago hoje uma contribuição nas publicações da Asle, um texto do meu Patrono na Cadeira 13, “Monteiro Lobato.” Chico Garcia
Fonte: De Fábulas, in Obras Completas de Monteiro Lobato, Vol. 15, 17ª edição, 1969. Editora Brasiliense.
Os Animais e a Peste
Em certo ano terrível de peste entre os animais, o leão, mais apreensivo, consultou um macaco de barbas brancas.
– Esta peste é um castigo do céu – respondeu o macaco – e o remédio é aplacarmos a cólera divina sacrificando aos deuses um de nós.
– Qual? – perguntou o leão.
– O mais carregado de crimes.
O leão fechou os olhos, concentrou-se e, depois duma pausa, disse aos súditos reunidos em redor:
– Amigos! É fora de dúvida que quem deve sacrificar-se sou eu. Cometi grandes crimes, matei centenas de veados, devorei inúmeras ovelhas e até vários pastores. Ofereço-me, pois, para o sacrifício necessário ao bem comum.
A raposa adiantou-se e disse:
– Acho conveniente ouvir a confissão das outras feras. Porque, para mim, nada do que Vossa Majestade alegou constitui crime. São coisas que até que honram o nosso virtuosíssimo rei Leão.
Grandes aplausos abafaram as últimas palavras da bajuladora e o leão foi posto de lado como impróprio para o sacrifício.
Apresentou-se em seguida o tigre e repete-se a cena. Acusa-se de mil crimes, mas a raposa mostra que também ele era um anjo de inocência.
E o mesmo aconteceu com todas as outras feras.
Nisto chega a vez do burro. Adianta-se o pobre animal e diz:
– A consciência só me acusa de haver comido uma folha de couve da horta do senhor vigário.
Os animais entreolharam-se. Era muito sério aquilo. A raposa toma a palavra:
– Eis amigos, o grande criminoso! Tão horrível o que ele nos conta, que é inútil prosseguirmos na investigação. A vítima a sacrificar-se aos deuses não pode ser outra porque não pode haver crime maior do que furtar a sacratíssima couve do senhor vigário.
Toda a bicharada concordou e o triste burro foi unanimemente eleito para o sacrifício.
Moral da Estória:
Aos poderosos, tudo se desculpa…
Aos miseráveis, nada se perdoa.